A minha morte, não ta dou.
De resto, tiveste tudo
- a flor, a sesta, o lusco-fusco,
a inquietação do dia 8,
as órbitas das mães, das mãos,
das curiosas palavras de não dizer nadinha.
Tudo tiveste: estás contente?
Feliz assim por teres tudo o que sou?
Feliz por perderes tudo o que sei?
Só não te dou o que não serei.
Não, a minha morte, não ta dou.
Pedro Tamen
Deixaste o cinzeiro repleto de beatas e não me apetece tirá-las de lá, a noite está tão sossegada que apenas me apetece ficar parado a olhar pela janela e esquecer que alguma vez passaste por aqui (mas como posso esquecer-me se nem limpo o cinzeiro? A preguiça é irmã do ócio...). Ao longe ouço o barulho de qualquer coisa que não consigo identificar, um desses bichos que apenas se lembram de cantar à noite e que durante o dia dormem como se o mundo começasse a partir das oito da noite; um dia vou viver apenas de noite e ter por companhia as estrelas.
Devia limpar o cinzeiro...está-me a incomodar, como se estivesse a olhar para mim (só me faltava ser maníaco e ver olhos em objectos...)
Às vezes penso porque te foste embora e deixaste o cinzeiro neste estado, logo tu, tão arrumada, tão preocupada com "a ordem natural das coisas"; fizeste de propósito? Claro que fizeste, sabias que eu ia ficar a olhar para o cinzeiro e a ver todos os nossos momentos, mas o filme que me passa pela cabeça está censurado, nem as legendas consigo ver (será que, simplesmente, não quero ver outra vez o mesmo filme?).
Se calhar devia ligar-te para vires limpar o cinzeiro, podias guardar as beatas numa caixa e daqui a uns anos ias ver como te rias, se calhar até ias pensar que aquilo seriam as minhas cinzas...mas sabes uma coisa? A minha morte...essa, não ta dou! Vais ter de te aguentar comigo vivo pois ainda vou ficar por aqui uns longos anos...descansa, não te vou procurar.
Só queria que viesses limpar as beatas...
quarta-feira, 13 de agosto de 2008
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1 comentário:
Adorei, meu estúpido.
Já te disse que até me irrita o facto de escreveres assim tão... tão bem, tão certo, tão completo, tão com as ideias que gosto de ver num texto, tão com a estrutura que aprecio, tão real, tão verdadeiro, tão autêntico...
:) gosto, sabes? Gosto mesmo de te ler.
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