quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Destino de Viver

Talvez um dia a andar pela cidade
Passe por mim o corpo de uma andorinha
Que na asa carrega toda a saudade
De uma vida que vivi e já não é minha

Talvez ela traga as memórias esquecidas
De uma infância sempre pronta a despertar
E traga o doce aroma das lembranças vividas
Por entre as velas a arder de qualquer altar

E então tudo se transforme em memória
Tudo seja fogo a arder numa paixão
E as palavras sejam potros a correr

Para podermos inventar uma nova glória
Ganharmos a força de qualquer vulcão
Que na sua lava tem o destino de viver.

Carta de Amor

Para te dizer tão só que te queria
Como se o tempo fosse um sentimento
bastava o teu sorriso de um outro dia
nesse instante em que fomos um momento.

Dizer amor como se fosse proíbido
entre os meus braços enlaçar-te mais
como um livro devorado e nunca lido.

Será pecado, amor, amar-te demais?
Esperar como se fosse (des) esperar-te,
essa certeza de te ter antes de ter.
Ensaiar sozinho a nossa arte
de fazer amor antes de ser.

Adivinhar nos olhos que não vejo
a sede dessa boca que não canta
e deitar-me ao teu lado como o Tejo
aos pés dessa Lisboa que ele encanta.

Sentir falta de ti por tu não estares
talvez por não saber se tu existes
(percorrendo em silêncio esses altares
em sacríficios pagãos de olhos tristes).

Ausência, sim. Amor visto por dentro,
certezas ao contrário, por estar só.
Pesadelo no meu sonho noite adentro
quando, ao meu lado, dorme o que não sou.

E, afinal, depois o que ficou
das noites perdidas à procura
de um resto de virtude que passou
por nós em co(r)pos de loucura?

Apenas mais um corpo que marcou
a esperança disfarçada de aventura...
(Da estupidez dos dias já estou farto,
das noites repetidas já cansado.
Mas, afinal, meu Deus, quando é que parto
para começar, enfim, este meu fado?)

No fim deste caminho de pecados
feito de desencontros e de encantos,
de palavras e de corpos já usados
onde ficamos sós, sempre, entre tantos...

Que fique como um dedo a nossa marca
e do que fui um beijo o nosso cheiro:
Tesouro que não somos. Fique a arca
que guarde o que vivemos por inteiro.

Fernando Tavares Rodrigues

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Cinzas Arrefecidas

Saudade dos corpos entre os lençóis
E dos beijos com gosto a madrugadas
Que espalhámos num dia de emoções
Por entre as minhas cortinas fechadas

A volúpia dos corpos por despertar
E a seda que desliza dos sentimentos
Foram camas numa só cama por inventar
Por entre as marés dos nossos pensamentos

E tudo foi descoberta e renascer
Foi o acaso das horas vividas
Foi a ânsia do tempo a passar

E num fim de tarde tudo foi a morrer
Para voltar das cinzas arrefecidas
De cada vez que eu te encontrar.

Anda, vem...

Anda vem..., porque te negas,
Carne morena, toda perfume?
Porque te calas,
Porque esmoreces,
Boca vermelha --- rosa de lume?

Se a luz do dia
Te cobre de pejo,
Esperemos a noite presos num beijo.

Dá-me o infinito gozo
De contigo adormecer
Devagarinho, sentindo
O aroma e o calor
Da tua carne, meu amor!

E ouve, mancebo alado:
Entrega-te, sê contente!
--- Nem todo o prazer
Tem vileza ou tem pecado!

Anda, vem!... Dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos...
Tenho saudades da vida!
Tenho sede dos teus beijos!

António Botto

domingo, 28 de dezembro de 2008

Vem, Não Te Atrases

Quando te apressas
E me confessas
Que está na hora,
Eu não te digo
Que é um castigo
Ver-te ir embora

Finjo que a dor
Que sei de cor
Pouco me importa
Mas, mal me deixas,
Sinto que fechas
Para sempre a porta

Vem, não te atrases
O que fazes
Sem mim, a esta hora?
Volta para os meus braços,
Eu já esperei demais
Vem, não te atrases,
Eu perdoo-te a demora
Se morares nos meus abraços
E nunca mais me deixares

Quando tu partes,
Faltam-me as artes
Para te prender
Mas, se não estás,
Não sou capaz
De adormecer

Acendo estrelas
Pelas janelas
Da casa fria
Mas, se não chegas,
Sinto-me às cegas
Até ser dia.

Maria do Rosário Pedreira

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Natal

Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.

Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.

Manuel Alegre

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Dia de Natal

Hoje é dia de era bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Sofrendo da Alma

Mais do que o corpo é a alma
É a alma que me dói
Que foi sofrendo da alma
Que a minha vida se foi
Que foi sofrendo da alma
Que a minha vida se foi
Mais do que o corpo é a alma
É a alma que me dói

Há muito que não sonhava
E esta noite sonhei
Sonhei hoje que te amava
Deus o que eu hoje sonhei

Longe do meu pensamento
A ideia de te amar
Amei-te em sonho um momento
Vê lá o que eu fui sonhar

Foi sonho que não esperava
Sonho que me deslumbrou
Não sabia que te amava
E hoje não sei quem sou.

Amália Rodrigues

Gato

Deslizo pela vida enquato busco
pequenas latas de sardinha
em vielas esquecidas da existência.

Movo-me com agilidade... e
transporto em mim toda a
força que tem quem é novo.

Por vezes olho para a lua e
perco-me na sua cor pois tem
a mesma textura do meu pêlo.

Sou da noite...um filho noite
que canta fados ao luar enquanto
retoca o seu bigode sempre perfeito.

Sou o animal dos animais... o
respeito em mim faz parte do corpo
e a sedução está sempre presente.

Não fujo de ninguém...
sou gato e basta.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Traça

Vesti a roupa já desfeita
Pela traça que teima em comer
Tudo aquilo que não lhe pertence
E que depois cospe os restos
Como se fosse dona do mundo.

Um dia a traça vai-se engasgar
E eu vou ficar-me a rir
Desse seu torcer...torcer...
A traça bem apertada pelo
Seu próprio veneno.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Peixe

Fiz do meu corpo uma pedra
onde os bichos vieram comer
e a carne ficou seca e ressequida.

A réstea de vida
que ainda sobrava dele
foi sugada por uma ave
que voava sem destino.

Passaram eras
(anos, meses, dias...)
o tempo correu o tempo perdeu
tudo aquilo que antes tinha
ganhou aquilo que nunca teve

e eu transformei-me em peixe.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Garras dos Sentidos

Maldita a sorte dos portugueses por terem inventado a palavra saudade; há quem diga que a palavra tem gosto a mar, a caravelas, a tempos que já lá vão mas que teimamos sempre em recordar e em viver, como se o nosso presente fosse sempre feito de um eterno saudosismo que nos condiciona o futuro (temos de ir buscar ao passado a forma, o "barro" para fazer o futuro, mas não nos podemos esquecer que somos os escultores da nossa própria vida, somos sempre nós que a moldamos...mesmo que a tentem condicionar). A saudade causa alguma angústia em nós, um certo langor, como se fosse uma guitarra num canto de um sótão esquecida, à espera de ser dedilhada novamente, à espera que a toquem...quase como um corpo de mulher, um corpo manso e nu à espera do "acto da Primavera". Estranha forma a da mulher...escrevo estas linhas depois de ter visto a primeira hora e cinquenta de "Vale Abraão" de Manoel de Oliveira (e enquanto ganho coragem para o restante tempo do filme), não que o filme seja mau mas apenas porque tem o seu tempo, um filme que precisa de disponibilidade (tal como o desejo...e não é esse, afinal, o tema central do filme?). A escrita de Agustina Bessa Luís é acutilante e a realização de Oliveira soberba (o tempo...a densidade...a perfeição do Douro perante a imperfeição do ser humano) e Leonor Silveira...imaculada. Mas como se pode juntar nestas mesmas linhas a palavra saudade e "Vale Abraão"? É que o filme representa a saudade do desejo, a saudade de alguém que ainda não conhecemos, do desconhecido (e é apaixonante o olhar de Silveira). Estranho caminho este o dos portugueses...feitos de firmamento e longitude.
E qual a melhor maneira de acabar este texto se não com um excerto do único fado que Agustina escreveu ("Garras dos Sentidos" para Mísia)?

"Não quero cantar amores,
Amores são passos perdidos.
São frios raios solares,
Verdes garras dos sentidos."

Sem querer, Agustina, descreve aqui a sua Bovary de "Vale Abraão".

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Palavras

Palavras
soltei-as ao vento
fiz do meu lamento
um grito de vingança

E depois
esqueci a mágoa
e bebi dessa água
que se chama esperança

Segui
um caminho exausto
fiz pompa, criei fausto
a riqueza iludida

Fui
por caminhos incertos
mas com os passos certos
para a hora da partida

Adeus!
Agora é uma palavra
Que perdeu o sentido
Que não tem rumo
Não sabe para onde vai...

Adeus!
Não quer dizer nada
É um fado, um gemido
Que entoa mas que cai

Cai a esperança
Cai aquilo que criámos
Na ilusão

Cai o sonho
Cai a fé (o que isso é?)
O coração...

Até que um dia
Nasce a nova alegria
E vai-se manter
Porque depois descobrimos
Num sorriso de criança
Que bonito é viver.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Soneto

Não pode Amor por mais que as falas mude
exprimir quanto pesa ou quanto mede.
Se acaso a comoção concede
é tão mesquinho o tom que o desilude.

Busca no rosto a cor que mais o ajude,
magoado parecer os olhos pede,
pois quando a fala a tudo o mais excede
não pode ser Amor com tal virtude.

Também eu das palavras me arredeio,
também sofro do mal sem saber onde
busque a expressão maior do meu anseio.

E acaso perde, o Amor que a fala esconde,
em verdade, em beleza, em doce enleio?
Olha bem os meus olhos, e responde.

Ao Luís Vaz, recordando o convívio da nossa mocidade

António Gedeão

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Ecce Homo

Desbaratamos deuses, procurando
Um que nos satisfaça ou justifique.
Desbaratamos esperança, imaginando
Uma causa maior que nos explique.

Pensando nos secamos e perdemos
Esta força selvagem e secreta,
Esta semente agreste que trazemos
E gera heróis e homens e poetas.

Pois Deuses somos nós. Deuses do fogo
Malhando-nos a carne, até que em brasa
Nossos sexos furiosos se confundam,

Nossos corpos pensantes se entrelacem
E sangue, raiva, desespero ou asa,
Os filhos que tivermos forem nossos.

José Carlos Ary dos Santos

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Figura

Tinha boquilha na boca,
do resto não me lembro pois
estava um tempo escuro
que pouco deixava ver;
por entre a névoa que pairava
sobre o seu rosto consegui ver
uns olhos fortes, marcantes...
talvez uns olhos que já não existam,
talvez até feitos à sua medida.

Ainda penso que não devia passar
de uma mera imagem do meu pensamento,
alguém que eu queria ver desde há muito,
como se viesse do fundo da minha memória
sem pedir licença e arrombasse todas as portas.

Partiu da mesma forma que apareceu;
hoje não sei nada dessa imagem
talvez apenas viva dentro de mim
como uma estranha memória.

Somos feitos de restos.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Nó Na Garganta

Desculpa este nó na garganta
Esta vontade de falar e não conseguir
Este sangue que pára no meu corpo
E que não sabe correr para outro lado

Desculpa a cobardia que está em mim
E que perante ti torna-se súplica
Imploro-te piedade...compaixão
Não sei se existe perdão para tais pecados...

Perdoa este modo de ser
Esta maneira de existir
Esta forma de sentir
Sou humano como tu já foste
Antes de estares nessa cruz crucificado

Perdoa estas palavras.

domingo, 7 de dezembro de 2008

O Enforcado

No gesto suspensivo de um sobreiro,
o enforcado.

Badalo que ninguém ouve,
espantalho que ninguém vê,
suas botas recusam o chão que o rejeitou.

Dele sobra o cajado.

Alexandre O'Neill

Ali está o corpo esquecido
como viveu...
Suspenso á terra
como se fosse uma marionete
que alguém esqueceu de manipular

Os corvos já lhe comem os olhos
e a boca já foi mais vermelha,
agora tem apenas a cor pálida
de uma cor que já não existe

As formigas olham para o corpo
e têm gula...

Chora o mundo
pela morte de um homem.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Ponham Flores Na Mesa

Encham a casa de rosas
Mas de rosas naturais
Dessas que trepam viçosas
Pelos muros dos quintais

Rosas de todas as cores
Que me tragam alegria
Que têm todas as flores
Abertas à luz do dia

E que sejam macias
Para as ter ao pé de mim
Mas não sejam rosas frias
Como essas de cetim

E seja tudo surpresa
Como se fosse a sonhar
Ponham, ponham flores na mesa
Que hoje não quero chorar.

Fernando Tavares Rodrigues

Agasalhei-me Em Teus Abraços

Fiz do teu inverno a gelada solidão
E agasalhei-me em teus abraços
Perdi-me no meio da escuridão
Que são os teus falsos cansaços

Dei moedas a um pedinte da rua
Olhei em busca de algum carinho
Perdi-me nessa sombra que é a tua
E não encontrei de novo o caminho

Vou por vielas e becos sem saída
Nesta encruzilhada sem sentido
Já me esqueci até do que é a vida
Meu amor...quem nos dera ter morrido.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Veio O Natal

Veio o natal em que nada me ofereceste.
Debaixo da árvore apenas o abandono
Que teimavas em entregar-me no teu sorriso
E uma réstia de esperança ainda acesa

Apagou-se a estrela que iluminava
Toda a nossa casa e em cada rosa
Há uma pétala que morre por não
Encontrar água que lhe mate a sede

Em cada ilusão há um rasto de abandono
E em cada medo há um pavor convertido
Afinal não há sonho que resista ao vento
Que corre por todo o lado sem sentido

Deus trouxe o natal para me atormentar
Mas o meu pinheiro há-de ser tão alto
Que a tua mão nunca conseguirá alcançá-lo
Nem o teu sonho conseguirá destruí-lo.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Era A Noite Que Caía

Era a noite que caía
E na sombra recolhia
O voo das andorinhas.
Era a voz que se calava,
Era a dor de ver que estava
Sem as tuas mãos nas minhas

Eram passos que escutei,
Que eram teus ainda pensei,
Iludiu-me o coração.
Foram pela rua escura
Longe da minha amargura
E acompanhei-os em vão

Fiquei perto da janela,
Pus-me a abri-la com cautela,
Fiz disfarce da cortina.
Vi então na luz incerta
Que a rua estava deserta
E deserta estava a esquina.

Era só eu na escuridão,
Era no peito um rasgão,
Era já no céu a lua,
Que me importa?, á minha porta
A sombra que se recorta
Bem pode ainda ser a tua.

Vasco Graça Moura

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Lírio Roxo

Viajei por toda a terra
Desde o norte até ao sul;
Em toda a parte do mundo
Vi mar verde e céu azul

Em toda a parte vi flores
Romperem do pó do chão
Universais, como as dores do mundo
Que em toda a parte se dão

Vi sempre estrelas serenas
E as ondas morrendo em espuma
Todo o sol, um sol apenas,
E a lua sempre só uma

Diferente de quanto existe
Só a dor que me reparte
Enquanto em mim morro triste
Nasço alegre em toda a parte.

António Gedeão