sexta-feira, 29 de maio de 2009

O Olho do Camões

Mataram o Camões junto à estátua do Pessoa...meu Deus! Isto não é crime em qualquer parte do mundo? Como se mata um poeta junto a outro? É quase uma coisa profana, irreal até...um tão próximo do outro. Ainda por cima dizem que levaram um dos olhos ao homem, isto não se faz, chega a ser desrespeitoso e a mim até me mete algum nojo sinceramente...onde é que já se viu fugir com um olho do Camões? Mas alguém quer comer aquilo ou algo do género? É que se ainda fossem uns olhos verdes, grandes, assim como aos meus vá, ainda valia a pena, agora aquele castanho murcho que nem um rasto de poema tinha dentro...não, isto cá para mim é alguém que já andava com esta ideia do olho há muito tempo, é que só pode ser isso! Mas porquê o do Camões? Não podiam ter tirado o chapéu ao Pessoa? Ele precisava de apanhar algum sol e tudo, até lhe faziam um favor, depois aparecia todo moreno à sua amada Ofélia e já não havia cá confusões da parte dela, atirava-se logo ao morenaço que era um consolo, realmente, bem que o Pessoa podia ir a um solariozinho, e já agora a um ginásio ganhar músculo, está sempre com aquela cor de ferro ali junto á Brasileira, qualquer dia ainda enferrujam o homem e depois é que eu quero ver o que acontece. Eu sei que isto é difícil de acreditar, ainda por cima a história nem saiu nos jornais nem nada, há quem diga que foi abafada pelo Sócrates, ele não queria que tamanho crime fosse dito à boca cheia perante o país inteiro, olha a vergonha que seria...agora o melhor é tentar esquecer o caso e já sabem, nada de pedir carapaus ou sardinhas, nunca se sabe o olho que se está a comer...

terça-feira, 26 de maio de 2009

O dia em que nasceste...

Hoje chorei contigo e assustei-me, assustei-me porque cheguei a duvidar que podesses um dia nascer de dentro de mim, e hoje, sem o esperar, sem ter vontade de fazer fosse o que fosse, apareceste...assim, sem aviso, sem me dares sinal que podias aparecer não à minha frente mas no meu corpo. Esqueci a dureza de um Cláudio que demorou tão pouco a nascer, vieste tu com as tuas mãos leves, com a tua alma de chumbo e invadiste-me, senti a tua fraqueza em cada ponta das minhas veias, eras tu que choravas e não eu. Juro que aquelas lágrimas não são minhas! O Renato não chorava num palco, o Renato não sabia o que era emocionar-se aquele ponto (será que ele sabia o que era a emoção?). Agora sei que tenho de fazer-te, agora sei que tenho um lugar para ti, agora sei que posso chegar a personagens como tu, saí da limitação em que julgava encontrar-me e fui campo fora para a libertação que sempre procurei. Estou a trabalhar a sério pela primeira vez, pela primeira vez sei o que é esforçar-me, sei o que é fazer algo para o qual não estava fadado, a oportunidade estava na minha mão e agarrei-a, vou ser capaz de mostrar a todos que ainda tenho muito para dar e que não estou parado numa linha imaginária. Vou renascer perante mim mesmo e sentir a satisfação que só têem aquelas pessoas que deixam as suas lágrimas no palco e o seu esforço. Não sei se aqueles que estão acima de mim vão compreender tudo isto que se passa mas já não trabalho para eles, está nas minhas mãos fazer o que eu quiser comigo, não preciso de provar nada perante os outros se não o provar primeiro comigo mesmo, se eu trabalhar afincadamente alguém há-de notar, se não for quem está acima serão aqueles que estão ao meu lado, e é também a esses que eu agradeço aquilo que consegui hoje. A vocês que continuam comigo, obrigado. É também graças a vocês que consigo o que consigo, seja no Romeu, seja naquilo que for. Sem vocês era mais um, sozinho; e sozinho, não vale a pena fazer Teatro.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Declaração de Interesses

Os olhares cruzaram-se e os dois coronéis desmaiaram, vindo a cair, mais tarde, dos seus altivos cavalos. Isto nao é uma história vulgar, é antes uma preciosidade que nunca ninguém se atreveu a contar, uma daquelas histórias que nunca mais vão acontecer, principalmente porque é difícil encontrar um coronel sem um olho e outro sem um braço, como se as suas defeciências motoras fossem uma medalha que transportam ao peito. Quando as pistolas apontaram os dois coronéis pensaram em fugir mas também como um dos homens que apontava era perneta e o outro tinha uma corcova não havia problema nenhum (era quase como se aquele encontro fosse um encontro secreto de gente com quezílias no corpo, um desses encontros secretos que se fazem a céu aberto todos os dias).
Bem, para dizer a verdade esta história não tem sentido, pelo menos porque até hoje nunca ninguém ouviu falar destes tais coronéis nem dos dois outros homens, talvez um dia vá nascer disto tudo uma telenovela qualquer (rezo para que seja mexicana) e tudo isto adquira a sua devida importância. Quanto a mim não tenho mais nada a dizer, não sou escritor de telenovelas e muito menos sobre velhas histórias do Oeste, e muito, mas muito menos, sobre histórias que envolvam coronéis e bandidos. Se me deixassem contar a história do cavalo é que era bom, era mesmo bonito o raio do cavalo, mas também como não tinha um dente se calhar é melhor esquecer a história e fixar-me apenas nos dois coronéism (espera lá, mas eu disse que não podia escrever sobre os tais coronéis...então falo do quê?) Se calhar eles eram casados, talvez uma das mulheres até não tivesse uma mão e a outra lhe faltasse o dedo mindinho, eu pelo menos acho bastante graça à ideia de alguém não ter o dedo mindinho, quer dizer...se calhar não tem assim tanta piada...a bem dizer isto tudo não tem assim grande piada e deverá ser dos textos mais estúpidos que eu já escrevi. Lá vão dizer que estou a baixar o nível, que já não sou o que era, se calhar até vão referir que brequei, que já não dou mais, que me ultrapassaram...ai meu Deus que fui atropelado e nem dei conta!! Será que ainda vou a tempo de mudar? Não! É tão bom ser calão e não dar explicações a ninguém, ser preguiçoso, cometer pecados capitais e depois ir confessar-me...ai Renato, Renato...és uma sombra do que foste ou daquilo que vais ser? Em que te transformaste? Naquilo que és, o melhor ser humano do mundo! Chamem o Beckett por favor, estou aqui a dar provas da minha inteligência, sim sim, sei falar de Beckett, de Pinter, Pirandello, vejam como eu sou culto e as coisas que eu sei, mas será que a inteligência me serve de alguma coisa? A inteligência não dá presença em palco...caramba! Que pena o ser inteligente não me servir de nada, se ao menos tivesse jeito para representar, isso é que eu gostava! Não se pode ter tudo não é? Logo por desgraça fui nascer com cérebro. Que pena não ser dinossauro...talvez se eu fosse dissessem que sou inteligente no palco e que tinha presença. Pode ser que ainda me nasça outra mão, e assim ao menos vou para o circo e sirvo de aberração.
Adoro naquilo que me tornei, porque não mudei nada, ao contrário de outros.
Que a pele nunca me caia e seja sempre o mesmo camaleão. O meu cérebro agradece.

domingo, 24 de maio de 2009

Vozes do Mar

Quando o sol vai caindo sobre as águas
Num nervoso delíquio d'oiro intenso
Donde vem essa voz cheia de mágoa
Com que falas à terra, ó mar imenso?

Tu falas de festins, e cavalgadas?
De cavaleiros errantes ao luar
Falas de caravelas encantadas
Que dormem em teu seio a soluçar?

Teus cantos d'epopeias? Tens anseios
D'amarguras? Tu tens também receios
Ó mar cheio de esperança e majestade?!

Donde vem essa voz, ó mar amigo?...
...Talvez a voz de um Portugal antigo
Chamando por Camões numa saudade!

Florbela Espanca

sábado, 23 de maio de 2009

Vou Ficar

Vou ficar.
Está nas minhas mãos ser aquilo que eu quiser e se trabalhar terei sempre os frutos daquilo que semeei; não vou olhar para o lado e apenas em frente, seguir este caminho que sempre foi o meu desde que o escolhi. Vou continuar a escolher personagens que talvez não sejam para mim e, de vez em quando, dar-me ao luxo de ter aquelas que me encaixam que nem uma luva, vou continuar a fazer as tais farsas em que dou largas aquilo que sei que posso fazer e continuar a aceitar as tragédias que aos poucos já vão fazendo parte de mim; vou continuar a provar que sou capaz de fazer mais do que aquilo que pensam para mim e se, contudo, não conseguir convencer ninguém ao menos vou ter a minha própria satisfação (não dizem que esta é uma profissão egocêntrica?)
Vou continuar a ser feliz a fazer isto, continuar a andar com a cabeça às voltas a pensar na melhor maneira de fazer as coisas, continuar o meu caminho até ao fim do fim, e quando tudo isto terminar ter a certeza que fiz o que fiz porque quis e que ninguém teve nada com isso. E vou agradecer, agradecer aqueles que tiveram comigo desde o início e que desde sempre acreditaram que eu tinha muito para dar, agradecer às tábuas que dia-a-dia me fazem crescer e vou rir...por ser a coisa que eu faço melhor.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Amanhã

Nunca sabemos quando caminhamos para o fim, sabemos apenas que a cada passo que damos é menos um para lá chegar, estou nesse estranho precípicio entre o ir e o ficar, entre o continuar a acreditar e o sonhar para outros lados. Não foi ali que o meu sonho nasceu, ele apenas tomou forma, e sei que se me for embora levo comigo o mesmo sonho que tinha quando entrei, isso é a única coisa que ninguém me pode tirar: a certeza daquilo que quero ser. Pode demorar anos, meses, mas sei que nada me irá demover disto tudo em que acredito e que sempre lutei para alcançar. Não sei para onde vou, sei apenas onde, por enquanto, não me sinto bem...amanhã será um dia decisivo, o início de uma despedida ou a chegada a uma nova realidade.

domingo, 17 de maio de 2009

Até Já...Romeu

Que difícil é vestir-te, procurar-te em mim, saber que estás aqui dentro mas que ainda não posso encontrar-te, estás perdido em mim e não consigo encontrar-te, tenta subir-me pelas veias, tenta fazer de mim um rio onde possas ser barco e naufragar, se quiseres vir ao meu encontro não sou eu que te vou impedir, podemos ser apenas um, podemos ser únicos, podemos ser o que nós quisermos, estou contigo se estiveres comigo, sei que estás aqui, sei que estás cá dentro, sei que é difícil mas sei que é possível, sei que quero...que tenho medo mas que contudo quero, quero encontrar-te e sorrir e depois subir ao palco e nesse momento esquecer-me de quem tu és e ser apenas tu, aquilo que apenas tu sabes...

"chamaste-me tua vida
eu a alma quero ser
a vida acaba na morte
a alma não pode morrer"

deixa-me ser a tua alma, deixa-me ser aquilo que vivo em ti, deixa-me ter a tua pele morena e os teus olhos verdes, deixa-me ser tudo aquilo que idealizei para ti, não quero que sejas uma personagem, quero que vás para lá desse simples facto...há quem diga que não sou capaz, que não és para mim, quanto mais me dizem isto mais a certeza tenho "nasci para morrer contigo", se estamos tão afastados um do outro é porque estamos preparados para nos juntarmos, se fosses igual a mim para quê ter-te a morar no meu corpo? Fiz um assassino, fiz um Rei, fiz um marreco delicioso e agora sou teu, apenas teu...bem-vindo a mim e até já...Romeu.

domingo, 10 de maio de 2009

Coração Agulha

Deveria ter sido tu
Com esse coração agulha
A vazar os olhos
De quem o bem te fez

Deveria ter sido tu
Com esses pés de ninguém
Que de esmagar
Só não esmagam uma uva

Deveria ter sido tu
Que me chamavas poço
E vir abeirar-me
Com a tua paixão de nunca cair

Deveria ter sido tu
Com esse copo na mão
E cheio de sorrisos
A brindar às camas seguintes

Deveria ter sido tu, sim
E estar aqui comigo
Com estas mãos no rosto
E as minhas lágrimas sem doerem um pouco.

Paulo José Miranda

sábado, 9 de maio de 2009

Dança de Mágoas

Como inútil taça cheia
Que ninguém ergue da mesa
Transborda de dor alheia
Meu coração sem tristeza

Sonhos de mágoa figura
Só para ter que sentir
E assim não tem a amargura
Que se temeu a fingir

Ficção num palco sem tábuas
Vestida de papel seda
Mima uma dança de mágoas
Para que nada suceda.

Fernando Pessoa

Já Não Sei O Que Sou

Fiz sangue das minhas mãos e
matei todo o suor que teimava
em correr pelo meu corpo e fazer
de mim um rio de sangue

Cortei a garganta na esperança
de ver uma rosa nascer dela e
fazer com que eu fosse apenas roseiral
de onde brotam as pétalas do desespero

Sonhei ser trepadeira, e porque
não ter a altura do céu se ele
nem se digna a descer sobre nós
para nos engolir com a sua boca

Já não sei o que sou, se a erva
daninha que nasce já morta ou a
ostra que se vai moldando à pérola
que traz dentro de si...

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Um Raio De Luz Ardente

És um raio de luz
Na minha vida
Um pequeno e bom raio de luz
Na minha vida
E essa luz clara e branca que tens,
é que ilumina
todos os passos que me levam até ti

És mais quente que o sol
Quando amanhece
Brilhas mais do que as estrelas do céu
Quando anoitece
E esse raio de luz que tu és
Nunca se esquece
De iluminar cada momento para mim

Abraçar-te por fim
Por muitos anos
Devolvendo à realidade o que sonhámos
Desejava dedicar-me assim
Por muitos anos
E nunca mais renunciar a este amor

Deixa-me ser como tu
Um raio de luz ardente
Deixa-me ser como tu és
Luz e Amor somente

Eu queria ser como tu
E abraçar-te contente
Numa só esfera de luz
Eternamente presente.

Pedro Ayres de Magalhães