terça-feira, 31 de agosto de 2010

Fado De Um Amor Que Ficou

Bem sei que tinha os olhos no mar
Quando te via chegar
Com a camisa engomada
Bem sei que procuravas o jeito
Que eu tenho de abrir o peito
Quando não querias mais nada

Trazias uma flor na lapela
E eu espreitava à janela
Quando te ouvia chamar
Trazias a lua no teu sorriso
Trazias aquilo que era preciso
Para te deixar entrar

Quem sabe as juras que nós fizemos
A estrela que prometemos
Um ao outro noite fora
Quem sabe porque cegou essa estrela
Se não voltámos a vê-la
Quem sabe de nós agora

Eu guardo no fundo do coração
Que o amor é só perdão
E um sonho em duas metades
Eu guardo tudo o que deixaste em mim
Desde sempre até ao fim
E às vezes guardo saudades.

João Monge para a voz de Joana Amendoeira

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Esquecer de Ti

Vieste no Inverno do meu cansaço
Preencher o tempo da minha ternura
E eu afaguei-te naquele abraço
Que fez nascer em nós velha loucura

Vieste de outro tempo, outra era
Dum tempo que eu julgava já perdido
E daquele Inverno nasceu uma Primavera
Que roubou de mim qualquer sentido

O Verão trouxe-nos a doce ilusão
De que o calor poderia ficar em nós
Mas ninguém compreende que a paixão
Apenas nos faz ficar mais sós

Agora não me entregues o teu Outono
Deixa-me cair da árvore onde nasci
Talvez que a saudade me traga o sono
Que me faça esquecer, esquecer de ti.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Revigorado.
Novo.
Feliz.
Sorriso aberto.

A partir de amanhã já estou de volta a um lugar do qual já tinha muitas saudades, ao teatro. De volta para um projecto que volta a renascer e com toda a força para ser um grande êxito.
Todos os bebés deviam voltar à incubadora a certa altura da vida. Amanhã volto à minha.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Escrevi Teu Nome No Vento

o frio faz-me encolher os ombros, e sobre mim cai uma neve que não pedi. não sei que horas são, perdi o relógio numa estrada a que não voltei. talvez tenha entrado noutro mundo, um distante daquele que conhecia e, principalmente, que reconhecia. encostei-me à minha saudade, mas ela deixou o meu corpo cair no chão. não sou amparado, nem sequer pelo vento. caio com a força da madrugada sobre os meus ombros. o sol teima em não nascer, em esconder-se. dizem que hoje há uma chuva de cometas, mas ainda não vi nada a passar por aqui. talvez os cometas não tenham escolhido a minha janela, talvez não faça parte da sua rota. ouço o vento, aqui dentro do quarto. ouço o vento mas não consigo perceber o que ele quer dizer. talvez esteja a esconder aquilo que tem entalado na sua garganta (se é que se pode dizer que o vento tem garganta). será que o vento chora? será que sente a dor que é tão nossa? talvez ele faça estes sons por estar a gritar as suas dores, mas eu não consigo percebê-lo. não consigo alcançar o próprio vento. talvez ele esteja a gritar por ajuda, a pedir o meu socorro, mas eu não consigo alcançá-lo, não tenho braços para isso. gostava que a minha boca roçasse ao de leve nas mãos daquela ventania que anda lá por fora. isto não tem significado nenhum, seria apenas uma sensação nova, todos precisamos de novas sensações. queria fazer qualquer coisa, mas deixo-me ficar neste quarto, agarrado a um romance que já vai nas últimas páginas e que conta a história de um grande amor em nove semanas e meia; sim, a literatura erótica já chegou às minhas mãos, já posso dizer que sou um adulto. amanhã volto a ouvir os fados que me acompanham, se tiver os dias (e as noites) repletos de fado, já me sinto feliz. ontem fui embalado por mísia às três e meia da manhã, hoje foi a vez de ir ver raquel tavares e amanhã kátia guerreiro; os meus dias confundem-se com os anos do fado. não sei o que posso dizer mais. ah, sim... o vento. mas esse eu não percebo o que quer dizer.
Escrevi teu nome no vento
Convencido que o escrevia
Na folha dum esquecimento
Que no vento se perdia
Ao vê-lo seguir envolto
Na poeira do caminho
Julguei meu coração solto
Dos elos do teu carinho

Em vez de ir longe levá-lo
Longe, onde o tempo o desfaça
Fica contente a gritá-lo
Onde passa e a quem passa

Pobre de mim, não pensava
Que tal e qual como eu
O vento se apaixonava
Por esse nome que é teu

E quando o vento se agita
Agita-se o meu tormento
Quero esquecer-te, acredita
Mas cada vez há mais vento
Jorge Rosa

Sabor a Vinho

Aceita o copo de vinho que te entrego
Sangue do meu sangue, a minha boca
O rubro dos teus olhos e o teu ego
São a minha vontade mais louca

Entrego-te a minha vida nesta taça
A minha paixão vai toda para ti
Não há amor que o vinho desfaça
Porque eu só nasci quando te vi

Posso embriagar-me nos teus olhos
Posso aquecer meu corpo na lembrança
E a vida não será um mar de escolhos
E tu já não serás minha bonança

Memória difusa, rito incompleto
Vinho que nunca foi provado
Ai! Meu amor, fomos tão perto
E hoje não passamos do passado.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

palavras, palavras, palavras...
...ai Shakespeare, tu é que sabias.

Provavelmente Tristeza

e de súbito, o vento norte arrancou as estacas que ainda agarravam a casa ao chão.
no areal, um rapaz assistia a tudo, impávido, como se aquilo fora algo que ele já esperava há muito tempo.
o mar fazia uma estranha dança; como se as ondas fossem longas saias verdes a abrirem-se ao céu.
o sol recolhia-se por detrás de uma nuvem, que aos poucos, foi ficando cinzenta e mais triste (até que, lentamente, começou a chorar).
a chuva caía por sobre os ombros do rapaz, mas este não se movia, pois tudo aquilo, embora não fosse normal, não lhe era estranho. parecia que tinha vivido toda a sua vida à espera de ver aquele acontecimento; o momento em que o mar e a terra iriam unir-se e e fazer com que tudo à volta desaparecesse.
sentia-se sozinho, o rapaz. tinha vagas lembranças de alguns dias em que se tinha sentido acompanhado, mas agora apenas lhe restava o triste abandono de quem vê o fim da vida como uma coisa perto e não como algo longínquo.
a chuva não deixava que o rosto do rapaz se mostrasse perante a luz, o que faz com que não consigamos ver se ele chora ou não. provavelmente não.
será provavelmente alegria aquilo que sente?
com o fim da vida tudo o resto também acaba.
embora não tivesse mais alegrias, também não teria mais tristezas, e pesando tudo aquilo que viveu numa balança... enfim, talvez as tristezas levem um ligeiro avanço sobre tudo o resto.
ainda se viam tábuas de madeira, ao longe.
a sua velha casa, a sua casa de sempre, nada mais era agora do que restos podres de tábuas já comidas pelo fragor do mar.
começou a entoar, baixinho, uma canção há muito esquecida.
aos poucos vinham à sua lembrança os restos de um tempo que já não sentia como seu.
a memória é um sítio incomódo onde morar, pois nunca sabemos em que quarto dormir.
escolhemos com todo o cuidado a divisão da casa em que nos sentimos mais à vontade, mas depois, logo alguma coisa nos salta à lembrança.
talvez fosse melhor assim.
que o mar o levasse para longe, lá onde a memória não existe e apenas somos lembrança para aqueles que ficaram no lugar que já não habitamos.
todos andamos à procura de uma casa onde morar.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Os corpos
que dançam ao ritmo da canção
entregam-se à dor sem ambição
à doce história do amor

As mãos
erguem-se em vão para o céu
e a paixão não morreu
porque ainda existe em nós

E as palavras
hoje são apenas as mágoas
que não levadas pelas águas
persistem na nossa história

Memória
que fica
que perdura
e não vai embora
o que será
de nós agora?
o que será de mim?

E a teia
que a vida tece à nossa volta
é como uma estrada sem rota
que já não sabe de onde partiu

Este rio
feito das dores mais antigas
que não desaparecem em cantigas
que escrevo para ti agora.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Crónica de uma Saudade (Jogo Viciado)

Foi-se a noite, a madrugada
A lua já se escondeu...

Choram dois corpos cansados por entre cortinas de fumo já desfeitas pela saudade.
Lá fora não corre uma aragem, parece que o tempo parou.
Enquanto os corpos se entregam ao choro da entrega, olham um para o outro como se estivesse a nascer ali um novo tempo.
Ninguém ouve as respirações ofegantes de dois amantes perdidos por entre os lençóis já lançados ao chão.
As mãos agarram-se e procuram um sítio onde pousar, como Midas à espera de ver uma pedra que possa transformar em ouro.
As bocas sabem a água, ao doce ribeiro que corre nas gargantas do corpo.
As formas dos corpos vão mudando consoante a força de cada um e de repente... o êxtase prolongado.
O tempo pára para recuperar o fôlego.
A lua volta a espreitar, apenas para ver se já pode dar o ar de sua graça.
Os olhares encontram-se mas não falam.
As palavras nunca chegam a sair das bocas, o silêncio grita por entre quatro paredes e uma porta entreaberta.
O olhar vago de um mostra que tem medo de alguma coisa... talvez do sol e de tudo aquilo que ele possa trazer.
Quando o sol nascer, aquela noite nunca terá existido, será apenas o fumo que envolve as cortinas.
A valsa dos amantes é sempre composta por acordes tristes e sufocados, langores de violinos já cansados de soltar notas.
As palavras não saem das bocas, mas dentro dos olhos de cada um existe um mundo de Vida e de Sorte.
Os corpos adormecem.
Na manhã seguinte, o jogo continua viciado.
Por muitos dados que se lancem, o resultado é sempre o mesmo.
No tabuleiro apenas uma carta sai: a da partida.
O tabuleiro obriga-nos sempre a regressar à casa da partida.
Mas... e se quisermos mudar de casa?
Os olhares encontram-se e existe um certo sufoco.
Existe um não saber o futuro, e contudo... saber perfeitamente aquilo que ele guarda.
O tempo não consegue ter manha suficiente para nos enganar.
A noite traz momentos que o dia não consegue suportar e isso destrói a valsa dos amantes.
Ao longe ouvem-se sonatas, como uma canção triste a acompanhar um enterro.
Foram a enterrar?
Levaram os seus corpos?
Ficaram à beira-praia?
A noite traz um grito consigo: "Vem! Aparece! Sabes onde estou! Foge para aqui!"
Mas nenhum se volta a esconder no lugar onde já foi feliz.
O dia trouxe as lágrimas da saudade.
As lágrimas de um tempo antigo.
O tempo não volta atrás e nós não voltamos a ser aquilo que fomos.
Lembram-se ambos de como eram... a ingenuidade volta ao de cima.
Ao longe já não se ouvem pianos mas sim música francesa... aquela velha cantora francesa (palavras para quê?).
Sinatra não é boa companhia para a saudade, apenas uma mulher sabe cantar a dor do tempo.
O tempo matou-os, destruiu tudo aquilo que existia mas...
... e contudo... ao longe... sim, ao longe... há sempre uma pequena
fogueira acesa... uma luz forte e que inebria... uma vontade de retroceder...
e de avançar.
O jogo continua viciado?
Os dados ainda dão os mesmos números?
Algum jogador parou de jogar?
Talvez seja tempo de arrumar o tabuleiro.

No retiro, inebriada,
A guitarra o fado e eu.