sábado, 29 de maio de 2010

Escrevo a palavra saudade
Sobre a curva do teu peito
E o traço sai-me direito
Como se fosse verdade

Mas a saudade não existe
É algo que usamos para esconder
Aquilo que estamos a ver
No nosso rosto já triste

A palavra mágoa escrevo em ti
E escrevo-a com carvão
Pois a palavra paixão
Dessa, já me esqueci

As memórias são saudade
E a saudade é uma mentira
Que nasce da nossa ira
De esquecermos a verdade.

domingo, 23 de maio de 2010

Fado

Ao passar pelo ribeiro
Onde, às vezes, me debruço.
Fitou-me alguém. Corpo inteiro,
Curvado como um soluço

Pelo ribeiro da minha memória
Passam os barcos do meu contentamento
Que constroem aquela velha história
De quem morre a cada momento

Que palidez nesse rosto
Sob o lençol do luar!
Tal e qual quem, ao Sol-posto,
Estivesse a agonizar...
Aquelas pupilas baças
Acaso seriam minhas?
Meu amor quando me enlaças,
Porventura as adivinhas?

Rosto negro, rosto da morte
Nascida do ventre materno
De quem cospe na cara da sorte
As labaredas de qualquer inferno

Deram-me, então, por conselho,
Tirar de mim o sentido.
Mas, depois, vendo-me ao espelho,
Cuidei que tinha morrido!

Naveguei num mar de tristeza,
Por entre deuses e corais,
Procurando aquela beleza
De me sentir entre iguais

E toda a minha mágoa
Foi dor que em mim morreu
Passei a fronteira de água
De quem chora porque nasceu.

Pedro Homem de Mello
Renato Pino

domingo, 16 de maio de 2010

Ai de Nós! Ai de Mim!

Brinquei com as palavras que inventei
onde eu as pus...confesso que não sei
tal qual um bicho de conta, que inventa
uma outra conta para a vida que não
soube levar até ao fim

Ai de nós! Ai de mim!
Que vivemos neste assim assim
Neste lugar sem fim definido
Neste canto que embora encontrado
Continua perdido
Ai de nós! Ai de mim!

Brinquei com o que inventei numa outra era
procurei o que eu perdi entre a escuridão
inventei um nome, esqueci uma quimera
que deixei no lugar onde a solidão
me foi encontrar.

sábado, 8 de maio de 2010

Baltasar e Blimunda (ou outro par qualquer...)

Dá-me de comer o pão da cegueira
Não deixes que veja a tua vontade
E eu juro, que um dia, encontro a maneira
De trocarmos as voltas à nossa saudade

Olha para mim e beija-me os olhos
Faz-me sentir os lábios em turbilhão
Eu visto aquele vestido de folhos
Que me ofereceste em noite de São João

Tenho em mim tanta fome de viver
Que tenho medo de um dia perder
Tudo aquilo que foi nossa ambição;

Nunca te afastes de ao pé de mim
Dá-me rosas, meu pedaço de jasmim
Que prometo renovar a nossa paixão.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Saia Verde

De saia verde me vesti
No último dia em que te vi
A saia verde eu despi
Quando te afastavas de mim

A saia verde da esperança
Foi pronúncio de morte
Mandei ao mar a aliança
De um casamento unido pela sorte

A saia verde feita trapos
Cortada pela tirania
De homens feitos verdes sapos
Que existem na minha fantasia

Adeus minha saia verde
Visto agora de encarnado
Pois toda aquela que perde
Tem de cumprir um novo fado.

Para Matilde Gomes D'Andrade