domingo, 1 de março de 2009

Cláudio

Está dentro de mim a crueldade, apenas através dela eu consigo sentir isso a que alguns chamam de amor. Amo aquela mulher como nunca mais na minha vida irei amar seja o que for, ela faz parte de mim, faz parte daquilo que eu sou, desde sempre; nos primeiros dias em que ela andava por aqui, recém casada com o meu irmão, eu repetia para mim mesmo o porquê de não a ter conhecido antes dele, mas a sorte não me estava destinada, mas sim a ele, ele era melhor guerreiro, tinha um porte altivo, uma figura de respeito perante todos, além de ter uma grande dose de charme, mas eu consegui superá-lo...sempre fui mais astuto, sempre andei dois passos à frente dele, sempre vi aquilo que ele não queria ver e comecei-me a aproximar dela, a insinuar-me, até a roçar-lhe o pé por debaixo da mesa em banquetes repletos de embaixadores e figuras nobres. Fui-a ganhando aos poucos, enquanto ele a ia perdendo, sem se dar conta...apenas fiquei com uma pedra no sapato - o filho. Aquele maldito rebento que tinha de nascer à força, já em pequeno deu graves pequenos à mãe pois decidiu nascer antes do tempo, sempre antes do tempo, nunca deixando ninguém em paz...sim, eu achava-lhe alguma graça quando ele era uma criança, era vivo, esperto, astuto (nada parecido com o pai) e pensei que até poderia "moldá-lo" convenientemente para vir a ser um aliado meu; infelizmente sempre teve uma paixão cega pelo pai e por aquilo que o pai era, sempre o viu como um semi-deus e nunca me prestou grande atenção, mas eu roubei-lhe aquilo de que ele mais gostava acima do pai - a mãe. Gertrudes é minha! Minha e apenas minha! E que ninguém me diga o contrário. Eu lutei por aquela mulher, e ao mesmo tempo que por ela lutava, lutava por aquilo a que eu tinha direito: a coroa. Claro que tinha direito! Sempre fui mais esperto do que o meu irmão, sempre consegui ver a situação política com bastante mais pormenor do que ele; sempre foi um brutamontes que ao mínimo problema declarava logo guerra, nunca soube o que é fazer diplomacia, o que é falar com as pessoas, o que é ser Inteligente. Não o censuro, teve a sua sorte e eu fiquei no seu lugar, como devia de ser. Mas deixou perto de mim o veneno mais perigoso que eu alguma vez conheci, um que não se entranha no corpo mas que vai corroendo a alma aos poucos, uma doença que me mata lentamente e que me faz estar sempre à espreita: Hamlet.
Que Deus tenha piedade de mim.

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