A minha admiração por Manuel Alegre é sobejamente conhecida, e devido a isso, senti a necessidade de vir aqui escrever sobre essa novela magnífica que é "O Miúdo Que Pregava Pregos Numa Tábua". Comprei-o hoje e li-o de um fôlego só durante a tarde, também sei reconhecer que o livro não é muito extenso, mas quantas obras de cento e dez páginas nos conseguem cativar ao ponto de não as conseguirmos largar?
A prosa de Manuel Alegre é como a sua poesia, não tem uma medida exacta. A métrica é livre e pouco extensa, resume-se ao essencial, ao eterno pulsar da terra, à respiração que a terra transparece. Não há artefícios na sua escrita, não há a intenção de fazer grande literatura, há memórias e vivências que têm uma necessida pungente de passar para o papel. No jornal PÚBLICO, de ontem, vinha uma crítica arrasadora ao livro e isso entristece-me. E entristece-me por um motivo muito simples: porque procuram aquilo que a sua escrita não têm nem nunca terá, os tais subterfúgios onde se escondem os grandes romances mas onde as simples novelas não conseguem chegar, porque nem têm esse objectivo.
A escrita, tanto em romance como em novela, de Manuel Alegre é repleta das suas memórias. Tal como a sua poesia, é muito pessoal, tudo aquilo é escrito com a força de quem já viveu com muitas grilhetas presas aos pés. "Cão Como Nós" continua a ser o seu grande apogeu em prosa, porque a simplicidade é levada ao limite, nada mais existe do que os afectos, do que a memória dos afectos. Mas também de afectos é feita esta sua nova novela, há memórias de Sophia e de Torga, da sua infância, dos primeiros sintomas da sua vida sexual, existe um despojar da alma de Manuel Alegre que até hoje apenas podia ter sido sentido na sua poesia. E claro que há a cadência...a música das palavras, esse compasso que lhe está nos dedos e que ele transborda para a folha em branco como ninguém.
Alegre é um poeta de excepção. "Conheci-o" através de Amália Rodrigues e depois pela voz de João Braga e Adriano Correia de Oliveira. Oulman compreendeu como ninguém esse baluarte da poesia portuguesa (na minha opinião) que é o "Quatro Facas", deu uma certa ligeireza a "Meu Amor é Marinheiro" pois a mensagem já era bastante nítida e ainda desbravou esse poema difícil de cantar que tem por nome apenas uma palavra "Abril. Adriano estava mais perto das raízes de Alegre, traz as suas palavras para músicas feitas por ele próprio e eleva-o por cima das águas do Mondego. E depois há a grande amizade com João Braga (o fado consegue unir as almas mais desavindas, pois politicamente, estão os dois em campos diferentes) que faz com que composições como "Adriano" e "Fado Fado" ressoem ainda em mim (o eterno "nem má sorte / nem má sina / nem choradinho trinado / o destino só destina / quem já nasce conformado").
E por último aquela que ficará para a história como um dos grandes poemas de resistência a uma ditadura fascista que teimava em não deixar este país respirar: "Trova do Vento que Passa" (talvez hoje ainda se devesse cantar alguns versos de vez em quando...só para avivar algumas almas mais esquecidas...).
Falando da sua poesia fala-se também do seu trabalho político, mas por aí não gostaria de me alongar, correndo o risco de este texto cair por caminhos mais dados a discussão, que ainda que fosse uma coisa de salutar, não é muito próprio para este camarim...
Ao falar da sua obra fala-se do ser humano por detrás dela, das suas fraquezas e das suas forças, dos seus redutos e das suas fortalezas e isso mostra-nos o seu carácter, não sendo preciso louvar o seu trabalho antes da revolução e, principalmente, o importante papel que veio a desempenhar no Partido Solialista.
Há restos de Nambuangongo por entre este texto, as armas é que ficaram ao abrigo do esquecimento...
sábado, 3 de abril de 2010
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1 comentário:
Tenho pena que o teu ponto de vista, não chegue assim,directo e sentido, aos detractores do Homem que escreve sem pretensiosismos...a simplicidade é o mais difícil de atingir e aquilo que mais perto está da perfeição.
Obrigada pela lucidez que te acompanha.
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