terça-feira, 2 de novembro de 2010

novembro

chegámos a novembro e ainda não trincaste as cerejas que deixei sobre a mesa.
talvez não voltes para prová-las.
tinha deixado a tua música favorita a tocar no velho gira-discos, mas com o passar do tempo, já deves ter outra música de que gostes mais.
a fruta vai acabar por apodrecer, e nós iremos com ela.
trincámos e não deitámos fora este caroço que ainda está entalado na nossa garganta.
podiamos morrer sufocados, talvez tudo o resto fosse mais suportável.
não consigo parar de pensar o porquê de estar a chover.
novembro é o tempo dos agasalhos e não das chuvas miudinhas.
até o tempo se alterou, juntamente com tudo o resto.
não fui buscar lenha para a lareira, já não é preciso madeira para nos aquecermos, basta o lume brando que temos debaixo dos nossos pés.
estamos queimados por dentro.
talvez não haja nada que nos possa salvar deste fogo lento que se apoderou do nosso corpo.
estamos a desaparecer, juntamente com a poeira de novembro.
por muito que isso que nos custe, é verdade, novembro chegou e leva-nos com as folhas, embala-nos para longe, para onde nunca fomos e de onde nunca poderemos voltar.
não chores neste mês.
já basta o tempo que teima em secar as lágrimas em nós.
muda essa roupa que tens agarrada ao corpo, já não é tempo para ela.
talvez ainda sintas o calor de outros tempos mas vais acabar por constipar-te e depois tudo o resto irá parecer-te insuportável.
desculpa, não consigo dizer nada conciso e concreto, apenas palavras começadas pela letra c, aparentemente.
tropeçámos numa pedra que não vimos.
onde está essa pedra? em que parte do caminho? onde a deixámos?
morremos no mesmo dia em que viemos ao mundo, disso eu tenho a certeza.
a partir do momento em que saímos do ventre materno já nos estávamos a preparar para novembro.
e é sempre assim, chega sempre antes do tempo dos sonhos e do bolo-rei.
como se fosse uma fatalidade.
novembro foi o mês do nosso sangue.
o mês em que nos demos ao tempo.
e o mês que o tempo não nos soube dar.

1 comentário:

Anónimo disse...

O belo mora em ti, mas cuidado, é um inquilino traiçoeiro, tal como nós e assim, a qualquer momento o despejamos ou ele nos desabita e deixa em nós um chão vazio. A amizade é um contrato de arrendamento.

inquilina fiel ;)