sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Carta de Amor a Lisboa

Gosto de Lisboa com paixão
e às vezes agarro-a pela mão
e sem ela querer, como um esticão
corro da Sé até ao Alto de São João
para ela ver como ainda é tão popular

Gosto da Lisboa de riso traquina
da eterna menina que ri com garra
que cora quando passa por Alfama
mas sabe sorrir no velho Alto do Pina

E que bem que eu a vejo...
oh! Velha Lisboa que casaste com o Tejo
mas a tua mãe nunca o soube, o teu
pai, para o casamento, nem foi convidado
e para maior desgraça tiveste por madrinha
uma guitarra e por padrinho...o fado

Hoje nenhum te larga, em cada viela
é ver ela a cantar com o padrinho...
que gracinha! que bonitinho...
dizem os camones que dão um ar de mirones
quando passam pelas tuas velhas tascas
com ar rasca, sim senhor! Mas não é miséria
encobrida, é apenas a tua cor garrida
que ainda tem o mesmo valor

E agora já nem sei se foi visão
mas no outro dia, ao passar pela Madragoa
julguei ver uma varina a cantar o "Lá
vai Lisboa"...mas se calhar é apenas a saudade
de uma velha cidade que eu não conheci

A cidade do Páteo das Cantigas
e das velhas amigas que falavam
de janela para janela, para comentarem
a vida alheia que a vida delas não
interessava a ninguém...olha! Lá vai
aquela que já não tem pai nem mãe

É prostituta e fez-se à vida, é
esquina de rua e anda por becos e travessas
a ver o que dá para render, também ela
tem lá em casa um filho que precisa de comer
e um chulo que lhe dá porrada a valer

E o meu velho Parque Mayer, hoje
só veste de luto e há sempre uma lágrima
que enxuto quando vejo aqueles teatros a
arder...sim, não se deixem enganar porque
o fogo às vezes queima e nós sentimo-lo
cá dentro a latejar

Ao menos tenho o Rossio, e também o Nacional;
para recordar a dona Amélia, o Robles Monteiro... e
ao longe ainda vejo um cacilheiro com velha fama, e
se não me engano vai lá dentro o grande José Viana!

Oh tempo volta para trás, se fores capaz
dá-me de volta a minha velha paixão,
traz a voz da Berta, da Lucília e até
a do sempre novo António Mourão

Oh tempos que já lá vão e não voltam
nunca mais...apenas a saudade é que fica,
já nem tenho a guitarra para recordar
esse que ficou conhecido como o miúdo
da Bica...isto é uma memória muito minha
e para quem não sabe falo desse grande
Fernando Farinha

Lisboa é fado, é marcha popular,
é verso por compôr e fado por cantar,
é poema nunca feito, e tem sempre
o mesmo jeito de menina louca,
que anda em arraiais à procura
de uma boca para dar um beijo...

Adeus, adeus oh Tejo! Leva
as mágoas desta gente para Espanha
e depois volta para nós, se o fizeres
nós soltamos a voz e vamos por todo o lado
gritar viva Lisboa! Viva à memória! Viva ao fado!

Para a cidade que eu amo, para a música que me viu nascer, para os artistas que ainda posso ouvir e ver, uma carta de amor à cidade.

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