quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A Guerra das Rosas

Partiste
sem dizer adeus nem nada
Fingiste
que a culpa era toda minha
Disseste
que eu tinha a vida estragada
e eu gritei-te da escada
que fosses morrer sozinha

Voltaste
e nem desculpa pediste
Perguntaste
porque é que eu tinha chorado
Não respondi
mas quando vi que sorriste
eu disse que estava triste
porque tu tinhas voltado

Zangada
esvaziaste o meu armário
E em nada
ficou meu disco preferido
De raiva
rasguei o teu diário
virei teu saco ao contrário
dei-te cabo de um vestido

Queimaste
o meu jantar favorito
Deixaste
o meu champanhe azedar
E quando
cozinhei o periquito
para abafar o teu grito
eu comecei a cantar

Fumavas
eu nem suportava o cheiro
Teimavas
em me acender um cigarro
E quando
tu me ofereceste um isqueiro
atirei-te com o cinzeiro
escondi as chaves do carro

Não queria
que visses televisão
Em dia
de jogos de futebol
Torcias
contra a nossa selecção
se eu via um filme de acção
tu mudavas de canal

Tu querias
que eu fosse contigo ao bar
Só ias
se eu não entrasse contigo
Saía
p'ra não ter de te aturar
tu ficavas a dançar
com o meu melhor amigo

Gozavas
porque eu não queria beber
Ralhavas
ao veres-me de grão na asa
Eu ia
à festa sem te dizer
nunca cheguei a saber
se tu ficavas em casa

Tu deste
ao porteiro roupa minha
Soubeste
que eu lhe dera o teu roupão
Eu dei
o teu anel à vizinha
e p'la estima que eu lhe tinha
ofereceste-lhe o meu cão

Foste-me lendo
o teu romance de amor
Sabendo
que eu não gostava da história
No dia
de o mandares p'ró editor
fui ao teu computador
apaguei-o da memória

Se cozinhavas
eu jantava sempre fora
Juravas
que eu havia de pagá-las
"Põe-te na rua"
dizias-me a toda a hora
e quando eu me fui embora
tu ficaste-me co'as malas

Depois
desses anos infernais
Os dois
Éramos caso arrumado
Achando
que também era demais
jurámos p'ra nunca mais
Foi cada um p'ra seu lado

No escuro
tu insistes que eu não presto
Eu juro
que falta a parte melhor
Um beijo
acaba com o teu protesto
amanhã conto-te o resto
Boa noite meu amor.

Manuela de Freitas para Camané


quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O tempo tem sido pouco para vir aqui, mas em compensação, o Teatro tem-me ocupado o tempo todo.
Poderá a felicidade explicar-se por palavras?

sábado, 11 de setembro de 2010

- Onde é que vamos? - perguntei.
- Não sei - disse ele - , vamos só a conduzir.
- Mas esta estrada não nos leva a lado nenhum - disse-lhe.
- Não é isso que têm importância.
- Então o que é?
- É apenas o facto de andarmos nela, pá.

Bret Easton Ellis
Menos Que Zero

sábado, 4 de setembro de 2010

Falando de paixões, tenho de falar de François Ozon e Christophe Honoré.

8 MULHERES, é um dos "meus filmes". Nenhum homem teve a sorte de juntar no mesmo plateu Catherine Deneuve, Fanny Ardant, Isabelle Huppert, a veterana Danielle Darrieux e as jovens promessas (e hoje confirmações): Virginie Ledoyen e Ludivine Sagnier. Já não se fazem actrizes como Sagnier (e SWIMMING POOL, de Ozon, também é prova disso); a sexualidade nunca teve um aspecto tão animalesco como com ela. Também já não existem actrizes com a classe de Deneuve (actriz que imagino sempre em Paris, e nunca num subúrbio qualquer), já para não falar da grande actriz de composição que é Huppert (mas dessa já todos sabem). 8 MULHERES, nada mais é do que oito mulheres dentro de uma casa, todas à procura de quem é a assassina do marido de Deneuve, e nada mais nos dá do que oito grandes actrizes a representarem a um mesmo tempo, embora de modos diferentes. Ozon é capaz disto como da surpresa que foi ANGEL e RICKY (o primeiro um melodrama dos mais clássicos e o segundo encaixa-se num certo realismo fantástico, ao vermos um bebé que nasceu com umas asas de frango, nem mais, umas asas de frango). Este é o homem que tanto toca no realismo fantástico como é capaz das "crónicas" mais citadinas, como são exemplo: 5x2 e O TEMPO QUE RESTA. Estreia esta semana, em França, o seu novo filme: POTICHE (mais uma vez Deneuve, e desta vez acompanhada por Depardieu); cá espero...

Honoré vem nesta mesma tradição e traz o doce cheiro de Paris, junto com o doce cheiro do melodrama (e até o género musical passa por ele). AS CANÇÕES DE AMOR, A MINHA MÃE, EM PARIS e A BELA JUNIE, são disto exemplo. Cada um dos filmes tem a presença de Louis Garrel (e do seu penteado inalterável) e a presença de figuras femininas inesquecíveis: seja Sagnier, Huppert, a surpresa que é Léa Seydoux, ou a inquietante Chiara Mastroianni (o resultado da junção entre Deneuve e Marcello Mastroianni). Filmes inquietos, com algus restos daquilo que pode ser uma tragédia moderna (existe sempre uma morte, mas nunca como motor da história). Filmes poéticos e impregnados de canções, velhas canções de amor a fazer lembrar Brel ou os melhores tempos de Aznavour.

Ninguém faz filmes como os franceses, não é à toa que só eles poderiam ter feito a Nouvelle Vague. Não sei o que França tem nos seus ares, mas seja o que for respira a Arte, a uma arte sempre nova e renovada.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Paixões

Uma vez escrevi num papel que não conseguia deixar de gastar dinheiro em bens culturais (num exercício de português no primeiro ano da EPTC) e realmente, não consigo.
Nasci com o vício da leitura, alimentei o vício do cinema e mais tarde aconteceu o do teatro. Às vezes até saltava refeições por falta de dinheiro para tanta coisa, mas nunca me arrependi. A fome fica mas o resto passava, logo, podia resolver o problema da fome mais tarde. A primeira paixão foi a dos livros, mal aprendi a ler. Tirava dinheiro das carteiras dos meus avós para poder comprar livros aos quadradinhos, e até falaram disto ao meu psicólogo da altura (mas se me comprassem tudo aquilo que eu queria eu já não precisava de tirar, não tinha culpa de ler depressa). O problema é que eu também não pedia nada, nunca fui de pedir, ficava calado e actuava pela calada, eu precisava era de ter alguma coisa para ler. Tudo isto faz a que pegasse num livro do Saramago com sete anos, chama-se TODOS OS NOMES, e obviamente que não o consegui ler na altura, porque se eu mal sabia a pontuação, quanto mais perceber a pontuação do nosso Nobel. O cinema foi um vício que me ficou do meu pai. Todos os sábados iamos ao cinema depois de almoço (Sábado era o dia em que ele me ia buscar a casa para passarmos a tarde juntos), e foi com ele que descobri o King, o Saldanha, o Nimas, e até o velho Quarteto, que como tudo aquilo que tem história, rapidamente decidiram fechar (e já ninguém se lembra do nome de Pedro Bandeira Freire, no dia em que viu o seu cinema fechado, foi o primeiro dia do resto da sua vida). Daí resultou as minhas duas grandes paixões cinematográficas: Woody Allen e Pedro Almodóvar. Mas também passámos por Altman, Haneke, Botelho, Ozon e muitos outros. O teatro era uma paixão que era alimentada aos poucos e poucos, sendo o Teatro Aberto o principal culpado da minha escolha de vida. O primeiro espectáculo que vi chamava-se DEMÓNIOS MENORES, e entre outros tinha o Virgilio Castelo e Ana Nave, e foi o suficiente para eu pensar que a minha vida tinha de passar pelo Teatro (mais do que a minha vida, o meu modo de vida, porque nós temos um modo de vida muito próprio). Fui arrastando a minha mãe durante alguns fins-de-semana e tenho memórias de grandes peças: A PROFISSÃO DA SENHORA WARREN de Bernard Shaw (com uma inesquecível Maria do Céu Guerra juntamente com a sua filha, Rita Lelllo, a deixarem-me com algumas lágrimas nos olhos), O BOBO E A SUA MULHER ESTA NOITE NA PANCOMÉDIA de Botho Strauss (com o inesquecível Canto e Castro), A CASA DE BERNARDA ALBA, de García Lorca (mais uma vez a Maria do Céu a provar a grande actriz que é), O MISANTROPO de Moliére (com um Carlos Paulo numa interpretação de grande nível e inspirada), e muitas outras. E claro que Carlos Avilez também passou pela minha infância nesse belíssimo espectáculo que era O DOCE PÁSSARO DA JUVENTUDE, de Tennessee Williams (com a grande Anna Paula a encabeçar todo o elenco do TEC). Nunca poderia adivinhar, naquela altura, que iria para a EPTC, trabalhar com o Carlos Avilez, e até fazer Tennessee Williams com ele num futuro muito próximo. A vida dá muitas voltas, mas o nosso fado talvez esteja escrito nalgum lado. Ah, claro! Faltava o fado. Mas isso já faz parte do meu adn, tanto o fado como as palavras (para mim nunca gastas, excepto em raras alturas), que gosto de utilizar em diversas formas.
De vez em quando faço deste camarim o meu porto de confidências; talvez deva falar mais, aqui, das minhas memórias, daquilo que li, do que vi, do que ouvi... fica aqui a ideia.