sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Paixões

Uma vez escrevi num papel que não conseguia deixar de gastar dinheiro em bens culturais (num exercício de português no primeiro ano da EPTC) e realmente, não consigo.
Nasci com o vício da leitura, alimentei o vício do cinema e mais tarde aconteceu o do teatro. Às vezes até saltava refeições por falta de dinheiro para tanta coisa, mas nunca me arrependi. A fome fica mas o resto passava, logo, podia resolver o problema da fome mais tarde. A primeira paixão foi a dos livros, mal aprendi a ler. Tirava dinheiro das carteiras dos meus avós para poder comprar livros aos quadradinhos, e até falaram disto ao meu psicólogo da altura (mas se me comprassem tudo aquilo que eu queria eu já não precisava de tirar, não tinha culpa de ler depressa). O problema é que eu também não pedia nada, nunca fui de pedir, ficava calado e actuava pela calada, eu precisava era de ter alguma coisa para ler. Tudo isto faz a que pegasse num livro do Saramago com sete anos, chama-se TODOS OS NOMES, e obviamente que não o consegui ler na altura, porque se eu mal sabia a pontuação, quanto mais perceber a pontuação do nosso Nobel. O cinema foi um vício que me ficou do meu pai. Todos os sábados iamos ao cinema depois de almoço (Sábado era o dia em que ele me ia buscar a casa para passarmos a tarde juntos), e foi com ele que descobri o King, o Saldanha, o Nimas, e até o velho Quarteto, que como tudo aquilo que tem história, rapidamente decidiram fechar (e já ninguém se lembra do nome de Pedro Bandeira Freire, no dia em que viu o seu cinema fechado, foi o primeiro dia do resto da sua vida). Daí resultou as minhas duas grandes paixões cinematográficas: Woody Allen e Pedro Almodóvar. Mas também passámos por Altman, Haneke, Botelho, Ozon e muitos outros. O teatro era uma paixão que era alimentada aos poucos e poucos, sendo o Teatro Aberto o principal culpado da minha escolha de vida. O primeiro espectáculo que vi chamava-se DEMÓNIOS MENORES, e entre outros tinha o Virgilio Castelo e Ana Nave, e foi o suficiente para eu pensar que a minha vida tinha de passar pelo Teatro (mais do que a minha vida, o meu modo de vida, porque nós temos um modo de vida muito próprio). Fui arrastando a minha mãe durante alguns fins-de-semana e tenho memórias de grandes peças: A PROFISSÃO DA SENHORA WARREN de Bernard Shaw (com uma inesquecível Maria do Céu Guerra juntamente com a sua filha, Rita Lelllo, a deixarem-me com algumas lágrimas nos olhos), O BOBO E A SUA MULHER ESTA NOITE NA PANCOMÉDIA de Botho Strauss (com o inesquecível Canto e Castro), A CASA DE BERNARDA ALBA, de García Lorca (mais uma vez a Maria do Céu a provar a grande actriz que é), O MISANTROPO de Moliére (com um Carlos Paulo numa interpretação de grande nível e inspirada), e muitas outras. E claro que Carlos Avilez também passou pela minha infância nesse belíssimo espectáculo que era O DOCE PÁSSARO DA JUVENTUDE, de Tennessee Williams (com a grande Anna Paula a encabeçar todo o elenco do TEC). Nunca poderia adivinhar, naquela altura, que iria para a EPTC, trabalhar com o Carlos Avilez, e até fazer Tennessee Williams com ele num futuro muito próximo. A vida dá muitas voltas, mas o nosso fado talvez esteja escrito nalgum lado. Ah, claro! Faltava o fado. Mas isso já faz parte do meu adn, tanto o fado como as palavras (para mim nunca gastas, excepto em raras alturas), que gosto de utilizar em diversas formas.
De vez em quando faço deste camarim o meu porto de confidências; talvez deva falar mais, aqui, das minhas memórias, daquilo que li, do que vi, do que ouvi... fica aqui a ideia.