quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Velhos do Restelo

Imaginemos que escrevia o mais belo texto deste ano, não só o meu melhor texto, mas um daqueles que se poderiam classificar como um dos grandes textos do ano. Claro que este é apenas um exercício de imaginação, nunca um texto desses me saíria das mãos e muito menos no final de um ano como este. Um ano de metas, de fins de percursos e início de outros. O final do ano é um tempo de balanços, um tempo de recordar aquilo que ficou para trás, e pior do que isso, aquilo que poderia ter ficado para trás e que nunca chegou a ser feito. As lágrimas nunca contam para estes balanços, esses momentos costumam-se ir diluindo na nossa memória, até já não os conseguirmos distinguir. Será isto verdadeiro? Alguém esquece as lágrimas que chrou? Durante este ano ou em qualquer outro? Mais facilmente lembramos as lágrimas que deitámos do que os risos que povoaram a nossa cara em alguns instantes. Obviamente que existem momentos inesquecíveis, que nos preencheram, que nos fizeram sentir vivos, e outros de uma angústia enorme, como se estivéssemos num beco que, embora sabendo que não tem saída, continuamos a querer seguir, porque às vezes o nosso único caminho é contra o muro. Quantas vezes vamos contra o muro e batemos com a cabeça nesse mesmo muro? E o que dizer do nosso próprio muro? Das nossas próprias barreiras? Daquilo que temos na nossa cabeça e que teima em não sair, as ideias pré-concebidas? Gostávamos de poder ir contra isso tudo, construir novas ideias, principalmente acerca daquilo que nós somos mas... falta sempre um pouco de coragem, ambição. Deixámos de ser ambiciosos há muito tempo, encostámo-nos ao fado que é nosso e nada mais. Somos todos uns velhos do Restelo à procura de gaivotas brancas, mas até aquelas que voam por sobre o Tejo, vêm repletas de petróleo nas suas asas. Vivemos um tempo manchado, onde o branco não consegue sobressair e as cores mais escuras tomam conta do espaço, do nosso próprio espaço. Existe em nós um medo de existir, de sermos gente. Perdemo-nos na nossa memória colectiva, por entre aquilo que fomos e o que gostaríamos de ter sido. Perdemos a utopia que nunca concretizá-mos, e pior: nunca a chegaremos a concretizar porque já ninguém se lembra dela. Vivemos um tempo em que os horizontes deixaram de ser longínquos, pura e simplesmente já não existem horizontes. Vivemos o hoje e o agora, apenas isso, isso é o que importa. E contudo... o ontem. O ontem assalta-nos constantemente, aquilo que fizemos ontem (nem volto a falar do que não fizemos), mas aqueles momentos que nos marcaram a pele, o sangue, as veias do corpo. O que fazer para recuperar os momentos perdidos? O que fomos? O que é preciso oferecer para voltar atrás? As memórias vivem em nós como seres vivos que teimam em reproduzir-se, e nós não as matamos, deixamos que elas cresçam, tal como nós também crescemos.
Queria ter escrito um bonito texto no final de mais um ano, um texto positivo, que falasse de um amanhã diferente, mas a única diferença será o fogo de artifício que irá romper pelos nossos céus. Enquanto não rebentarem foguetes em nós, tudo isto vai continuar igual ao que é. Façamos a festa por dentro de nós, comecemos de novo, amanhã... já amanhã.

É para amanhã
bem podias fazer hoje...

Sem comentários: