quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

tudo aquilo que nós somos

abraçados.
ao nosso lado a Taylor e o Burton deslumbram-nos com o seu "Who's afraid of Virginia Woolf?".
todos temos os nossos medos, o meu é o de perder-te um dia, é o de nunca mais ter estas nossas noites, o andarmos por lisboa a caminho da nossa casa, o riso que a chuva nos provoca e as lágrimas a que, por vezes, a ausência nos obriga.
o mundo.
o mundo nas nossas mãos, tudo aquilo que vamos criando diariamente, tudo isto que é tão nosso e intocável, todos os nossos momentos como uma eterna partilha, o amor escreve em páginas brancas que nós nunca paramos de fornecer, como uma eterna máquina à procura do seu Álvaro de Campos.

e ao olhar em teus olhos de amêndoa amarga
sinto o pulsar do mundo e o que ele carrega
mas o peso singular que tem essa carga
é apenas o amor feito fruto, feito entrega

paraíso.
criámos o nossa paraíso na terra, e com o passar dos anos, esse éden vai crescer e edificar-se, ninguém pode destruir aquilo que construímos, a base é irredutível, tal como nós o somos.
abraçamo-nos nestas noites de Outono, sentimos o tempo a fazer-nos a cama onde nos vamos deitar e somos felizes...não a beleza idealizada da juventude, mas aquela que apenas pode ser dada a alguns priveligiados.

o vento põe o medo em teu rosto
e entrega-se à noite feito homem
em nós o amor é um fogo posto
feito de cinzas que nos consomem

daqui a dez, vinte, trinta anos, esta história vai continuar a ser escrita, ainda há muitas folhas soltas, muitas pondas por onde pegar, muito por onde escrever.
passamos sem medo pelo tempo, nada pode consumir o teu sorriso e a felicidade que existe em nós, nem o vento pode levar tudo aquilo que nós somos.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Saudades do Futuro

As saudades que tenho do futuro
já me trespassam o corpo, o sentir
do espanador, o pano sempre pronto
a trabalhar, a morte sempre à espreita,
o sangue servido em copos e bebido
até à última gota

As saudades do futuro vão-se
transformando em presságios de
acontecimentos, em chocolates cobertos
de naftalina, vestidos da Senhora
cheios de buracos feitos pelas traças

As saudades do futuro bebem um chá
que cheira a incenso e traz com ele o
aroma das madrugadas em que nos vemos
à janela...talvez que esta seja a noite
em que alguém vai dar pela nossa presença

Saudades do futuro e tudo transformado
para que da nossa noite nasça um novo dia,
onde o sol desponta na nossa cara e onde
a lua espera para nos fazer a cama

Lençóis de vento
e camas de palha...
de tudo as criadas fazem uso.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Rainhas da Morte

Sempre fui a mais forte por ser a mais velha e contudo, sem te ter ao meu lado não sou nada. Não me deixes entregue à minha sorte, não me deixes sozinha neste sótão onde os fantasmas teimam em visitar-me e onde todos parecem ter a tua cara. Quando olho ao espelho vejo o rosto das duas, porém as rugas são todas minhas, tu mantens a juventude que nunca te vai abandonar e que faz os homens olharem para ti. Dá-me um pouco do amor que recebes e talvez eu fique menos amarga, talvez alguém me queira provar às duas da manhã quando passeias pela casa com as roupas da Senhora. Fazemos parte uma da outra, como se tivéssemos nascido ao mesmo tempo do mesmo ventre, duas filhas de um demónio ainda sem nome e preparadas para cometer qualquer crime. Mas tenho uma certeza em mim...se alguém me tivesse amado alguma vez na vida, eu nunca faria o que estou disposta a fazer. Eu sei que tu me amas, mas falo de outro amor, falo de um amor que vá para lá daquele que podemos ter, daquele que conseguimos. Entrega-me, também tu, a tua vida. Como se fosse um copo de vinho feito do teu sangue, algo que eu não possa recusar. Bebe-me também a mim de um só trago, e tenta não engasgar-te, afinal as minhas veias são feitas do mesmo material das tuas e podes sofrer pequenas convulsões. Abraça-me como se fosse a primeira vez, deixa-me sentir um aconchego que nem em criança conheci, eu juro que se tivesse amor seria uma pessoa melhor, mas ninguém olha para mim, todos me rejeitam e baixam os olhos quando eu passo, não é fácil encarar um demónio em carne e osso. Somos sublimes, temos algo de divino em nós e preparámos o melhor altar que este mundo já conheceu, rainhas da morte por direito e conquista! A nossa espada são os escarros que nos saem da boca, o desprezo pela ordem vigente e a liberdade uma regra nascida em nós. Não nascemos para ser pão, mas sim a semente que nunca cresce e que estraga tudo aquilo que está à sua volta, somos o flagelo que não tem fim nem medida. Abandonem os corpos à nossa passagem e acreditem que se formos servir na vossa casa, não haverá vestígios de felicidade que vos possam salvar. Nascidas do escuro e entregues à luz, dois corpos à deriva da vida, duas nascentes sem terem direito a rio.
Podem sorrir; depois...iremos morder os vossos lábios.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Fado da Pedrada

quis fazer do amor um charro
quis que ardesse em minha posse
mas fumado não o agarro
talvez fosse do cigarro:
fez-me tosse, fez-me tosse

e um dia que estava só,
tão só que não vou contá-lo,
só sei que metia dó,
quis o amor desfeito em pó
e pus-me então a snifá-lo

noutra noite vil de luto
após triste despedida
preparei um crack em bruto
e do amor levei um chuto
que me deu cabo da vida

e o meu ser assim se joga
numa contínua desordem
pobre amor, em mim és droga,
que me pedra e perde e afoga,
não me acordem, não me acordem.

Vasco Graça Moura