domingo, 13 de setembro de 2009

Boneco de Palha

O boneco de palha morreu no dia em que ele se lembrou de fazer uma fogueira; o pobre homem nunca pensou que as chamas conseguissem alcançar o boneco, mas a verdade é que o vento foi mais forte que os seus braços e não lhe deu tréguas por um momento que fosse. O homem ainda hoje diz que assistiu a um milagre, pois jura de mãos erguidas que o boneco chorava enquanto as chamas o consumiam, pela face do espantalho (embora ele gostasse de ser tratado por boneco de palha) algumas lágrimas, bem gordas por sinal, faziam questão de tentar apagar aquele fogo que se espalhava por onde podia. O boneco já tinha alguma idade, iria morrer de alguma maleita mais cedo ou mais tarde, mas nunca ninguém deseja um fim destes, com tudo a arder, tudo feito em cinzas, tudo o que já foi a deixar de ser e a voltar à forma inicial, pó e mais nada. O homem sentou-se a chorar ao pé dos botões que serviam de olhos ao boneco e lembrou-se de como ele tinha nascido, de como lhe tinha custado cada bocado de feno que teve de carregar até meio do monte, e agora tinha apenas os restos daquele que tinha sido a sua companhia durante as mais variadas tardes. Tinham passado juntos por chuvas, por dias abrasadores, até por dias de alguma tempestade com o vento a não querer dar descanso, mas não tinham resistido aquele golpe fatal do destino, quando as chamas vêm não pedem licença, levam tudo o que encontram e não dizem nada, e se for preciso voltam a aparecer algum tempo depois para levar o que ainda resta. Faltavam as forças ao homem, sentia um vazio, como se tivesse perdido algum familiar, como se tivesse perdido um companheiro de vida, como se já não lhe restasse nada com que se contentar. Afeiçoamo-nos às coisas e nunca pensamos que as podemos vir a perder, que o seguro rapidamente torna-se inseguro (afinal é só acrescentar duas letras e já está). Tinha a certeza que o boneco tinha sido feliz, e isso era o único consolo que ainda lhe restava, isso e uma casa vazia de onde já não tinha nada para avistar da sua janela; todos os dias, quando se levantava, lá ia à janela do quarto ver como estava o boneco, e ele estava sempre de pé, firme no meio do monte, um guarda sem precisar de falar, a manter o respeito apenas com a cenoura que tinha a fazer-lhe de boca. Era o fim de um ciclo, o começo de outro...a vida é ciclíca e quanto a isso não há nada a fazer. O homem levantou-se e seguiu para casa, de manhã havia fardos de palha para carregar.

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