Eunice Muñoz, Maria José Paschoal, Custódia Gallego.
Todas elas estão a fazer retratos impressionantes e imperdíveis. Mulheres de força, de coragem, mulheres racionais a quem a emoção levou mais longe.
Eunice retrata a jornalista Joan Didion, sozinha em palco, dá-nos o retrato de uma mulher racional que, por momentos, é avassalada por uma terrível emoção. Ao longo de uma hora e dez minutos viajamos com Didion pelas suas memórias, pelos seus "mortos", pelo seu passado e por aquilo que é o seu presente e será o seu futuro, um desfolhar de memórias que não tem fim. Sentimos uma angústia ao vermos aquela mulher, frágil, a expor a sua vida perante nós, sem constrangimentos, apenas com o intuito de fazer uma catarse daquilo que foi a sua vida. Em palco, a grandiosidade de Eunice Muñoz, as frases pousadas, o tempo suspenso, a atenção ao que a rodeia e a representação com a emoção mesmo ao lado.
Maria José Paschoal oferece-nos "Amália em Nova York". Texto (por vezes) inspirado de Vicente Alves do Ó e para além da actriz podemos contar com Fred Astaire. O sítio já nos proporciona algo de especial: Museu do Fado. Num pequeno auditório, Maria José Paschoal dá-nos uma Amália que é um mito, imaginamos como foi a sua estadia em Nova York, quando decidiu fugir de Portugal por sentir-se demasiado apertada num país que sempre teve o cuidado de asfixiar quem cá está. O texto consegue ser fluido, embora algumas partes sejam um pouco forçadas, algumas frases são bem conseguidas mas outras quase que roçam uma certa demagogia provinciana. A interpretação, essa é de composição, os gestos, a voz, aquele cantar dos últimos tempos, quando a voz já não acompanhava o mito. O princípio da peça é dos mais bonitos a que já assisti, a imagem de Maria José acompanhada pelo "Cansaço" de Amália. Voz e corpo, actriz e mito, braço dado.
Por último, Custódia Gallego. Penso que não exagero ao dizer que é a interpretação do ano e, arriscava-me a dizer, o texto do ano na dramatúrgia portuguesa. Custódia é visceral no papel de uma mulher que perde o filho cego devido a um marido bruto e que faz da sua mulher um objecto sexual. Sentimos o sangue que anda por perto, o ambiente é quase que onírico, estamos numa casa que não tem ninguém por perto, enfiada no meio de um bosque e por companhia...esta mulher que agora vai ser feliz! O texto de Abel Neves é certeiro, corrosivo, escrito com paixão, e não podia ter encontrado melhor actriz do que Custódia Gallego, que se entrega como cão a um osso a um texto escrito para si mesma, trata-se de um tratado de representação (e penso que não exagero); ao longo de hora e meia podemos assistir a uma actriz que dá tudo o que tem em palco, sem o mínimo constrangimento, uma mulher que carrega o peso de um filho morto e que anda à mercê de um marido que lhe bate mas de quem ela gosta (retrato fiel feito por Abel Neves ao quotidiano de muitas mulheres), assistimos mesmo à erupção de um vulcão feito mulher. A encenação de João Grosso, é eficaz mas um pouco exagerada em certos aspectos cenográficos, mas até nisso Custódia se desenvencilha, correndo de um lado para o outro num chão flutuante que até o andar lhe dificulta. Que todos corram à sala Estúdio do Teatro Nacional ver uma das peças do ano.
Bom Teatro!
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
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