segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Porta Aberta

Porta aberta a quem bater
Quem mo havia de dizer
Que isso seria verdade
Esse teu corpo sonhado
O teu corpo bem-amado
Aberto a toda a cidade

Braço dado com a aventura
Vais de rua a outra rua
Em busca doutros amores
És de todos, de ninguém,
És a imagem de quem
Vende um punhado de flores

E dizer que te quis tanto
Que foste todo o encanto
Todo o sol do meu jardim
Quem sabe como eu te quis
Sabe bem que em ti perdi
Mais de metade de mim.

António Calém

domingo, 28 de setembro de 2008

Corpo (Na Pele das Mãos)

Há dias em que as portas batem com maior violência e em que as janelas se abrem com mais rapidez, há dias que passam tão rápido que parecem o estranho galopar de um cavalo por qualquer colina, há dias tão diferentes um dos outros que nos fazem pensar que ligação é que isto tudo pode ter? Que ligação têm as coisas que nos acontecem? O que é que isto pode dar? O que é que vai acontecer? Às vezes gostava de ter as respostas sem ter de fazer as perguntas, gostava que elas aparecessem escritas algures. Gostava de acreditar em alguma coisa de sobrenatural, que exista para lá de tudo isto, mas tenho a racionalidade demasiado entrenhada em mim e apenas acredito naquilo que vejo, devem ser felizes aqueles que acreditam em coisas para lá do visível, vivem sempre no mundo do "mas noutro sítio é diferente, vai ser diferente"; eu apenas sei o que se passa neste mundo. Somos malabaristas, temos várias coisas nas mãos e vamo-las mandando ao ar para depois tentarmos equilibrar tudo outra vez, mas às vezes acontece as coisas cairem, e parece que tudo se desmoronou, mas é tão simples voltar a pegar nas coisas e repetir os mesmos gestos, tá tudo nas mãos, nas nossas mãos, está na pele, pertence-nos. O corpo é um rio que não sabe onde é a foz, um rio sempre em viagem, e às vezes barco que não sabe onde vai parar, é uma estrada sem mapa, direcção, livre...sem grilhetas, sem algemas...livre. O corpo é tudo aquilo que temos de nosso e que não pertence a mais ninguém, fazemos com ele o que bem entendermos sem ter de lhe dar justificações. Às vezes ele reclama, não percebe, mas há razões que a própria razão desconhece...e sabe tão bem utilizá-lo apenas...porque sim.

Guarda-me A Vida Na Mão / Desculpa (Seria Quase Voz)

Guarda-me a vida na mão
Guarda-me os olhos nos teus
Dentro desta solidão
Nem há presença de Deus

Como a queda dum sorriso
P'lo canto triste da boca
Neste vazio impreciso
Só a loucura me toca

Esperei por ti todas as horas
Frágil sombra olhando o cais
Mas mais triste que as demoras
É saber que não vens mais

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Desculpa de não ser como tu queres
De ser o lado errado entre nós
Aperta-me em teus braços de mulher
Disse-te eu num soluço quase voz

Desculpa não ser mais p'ra te oferecer
No tudo que te dou e que é tão pouco
Repousa-me em teus braços de mulher
Disse-te eu num tom velado e rouco

Desculpa a pequenez que me apequena
Aos teus olhos adultos penetrantes
Acolhe com piedade a alma enferma
Disse-te à flor duns lábios delirantes

Desculpa por te olhar aquém do pranto
Que dos meus olhos corre ao estarmos sós
Desculpa por ainda te amar tanto
Disse-te eu num soluço quase voz.

Jorge Fernando

sábado, 27 de setembro de 2008

Loucos

Vivem de amor, deixa-os viver assim
Que nos importa o amor dos outros
Tudo o que tem princípio há-de ter fim
Deixa-os seguir em paz porque são loucos

São loucos como nós ainda somos
E amam como nós também amámos
São jovens como nós também já fomos
Namoram como nós já namorámos

Trazem na boca em cada beijo um grito
Grito de amor que o seu amor ilude
O amor e uma cabana é tão bonito
Quando se tem nas mãos a juventude

Momentos de prazer na vida há poucos
Breves como o cantar da cotovia
Deixa-os amar em paz porque são loucos
São loucos como nós fomos um dia.

José Luís Gordo e Mário Raínho

Para quando a neve cair nos cabelos de todos nós e o Outono for a estação derradeira...

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Algumas Palavras

É tarde e as palavras têm o sabor estranho de amoras.
Roubo-as no jardim da frente. Sinto o sabor.
A noite tem um sentido que ninguém conhece
Traz rosas por entre as estrelas como se fosse campo
Adão e Eva riem-se no paraíso neste momento
O que fará a maçã?
Alguém deve estar a gritar numa rua qualquer
Alguém deve estar a soltar pequenos gemidos
Será que a Terra parou de girar? Está tudo tão calmo...
O tempo está tranquilo...não se ouvem animais
Estranho tempo este...

Ficção

Ele acende um cigarro, como quem domina o tempo.

Vou-te fazer uma proposta indecente, menos própria se preferires...ah! E tu vais aceitar.

Ela sorri ligeiramente, como que se adivinhasse o que vai ser dito.

Faz então.

Ele senta-se e solta pequenos circúlos de fumo.

Esta noite...esta noite quero fazer coisas diferentes, quero sentir-me diferente, ir um pouco mais longe.

Os olhos dela mostram interrogação.

Não sei o que queres dizer com isso. O que pretendes de mim?

Ele levanta-se e apaga o cigarro mal fumado no cinzeiro. Do bolso do casaco tira uma corda branca.

Já percebes o que quero dizer? Sabes o que isto significa.

Ela solta uma pequena gargalhada, contida.

Não te sabia assim tão original...vais-me amarrar?

Ele inclina-se ligeiramente por cima dela.

Vou-te amarrar...beijar...apertar...e o que mais me apetecer.

Ela deixa-se ir.

Queres os meus braços? São teus...

Ele abre os lábios num ligeiro sorriso.

Não te incomodes, os braços não são necessários para isto.

Suor. Sangue. Odor. Gemidos. Gritos.

Casa Sombria (A Solidão)

Naquela estranha noite de Dezembro o frio entrava pelas janelas da casa abandonada sem que alguém pudesse encerrar de vez as portas e janelas abertas à madrugada. Não havia ninguém dentro da casa, há muito que era apenas um sítio perdido no meio de um pequeno vale; a água que escorria pelos seus canos, em pequenas pingas, era podre da cor do tédio, acizentada por tanta podridão que continha, há muito que a vida morrera ali. Pequenas ervas cresciam de encontro às paredes, ervas daninhas e grossas, como se fossem cascos de árvores a quererem erguer-se do fundo de um poço, ervas altivas, crescidas, com sangue por entre a sua cor verde, ervas de morte e de assombro. Tudo estava morto ali dentro, não havia réstea de vida por entre os quartos, outrora habitados por corpos esguios e sorridentes, famílias abrasonadas e cheias de sonhos de riqueza. Sentia-se o cheiro a solidão, o estranho cheiro das coisas paradas, da perseguição mal explicada, dos fantasmas vestidos de negro para não serem notados na noite. Lá longe ouvia-se o canto de uma coruja acordada fora do tempo, com os seus olhos brilhantes abertos à noite, e com o seu piar frio, distante, ausente...como se tudo o que estivesse diante dos olhos existisse mas não pudesse ser explicado. Havia um antigo relógio junto a um armário fechado, um daqueles relógios de grandes ponteiros, prontos a marcar as horas de minuto a minuto como se fosse um condenado no corredor da morte, tic tac tic tac...repetidamente, sem fazer pausas, era o único objecto vivo dentro daquela casa que a vida se esquecera de visitar. As telhas estavam repletas de fendas e quando chovia a casa parecia uma pequena catarata sem rochedos, pronta a que qualquer corpo se viesse lavar. Mas nunca ninguém apareceu, a casa manteve-se sempre sozinha com as suas ervas, o seu relógio, o seu tempo, a sua noite...a vida não sabia a sua morada.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Eu Não Sei Quem Te Perdeu

Quando veio,
Mostrou-me as mãos vazias,
As mãos como os meus dias,
Tão leves e banais.
E pediu-me
Que lhe levasse o medo,
Eu disse-lhe um segredo:
Não partas nunca mais.

E dançou,
Rodou no chão molhado,
Num beijo apertado
De barco contra o cais.

E uma asa voa
A cada beijo teu,
Esta noite
Sou dono do céu
E eu não sei quem te perdeu.

Abraçou-me
Como se abraça o tempo,
A vida num momento
Em gestos nunca iguais.
E parou,
Cantou contra o meu peito,
Num beijo imperfeito
Roubado nos umbrais.

E partiu,
Sem me dizer o nome,
Levando-me o perfume
De tantas noites mais.

Pedro Abrunhosa

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Don't Speak

Não me tome por arrogante, meu senhor, eu sou apenas como sou, percebe? Tente entender, eu sou uma alma elevada, alguém que nasceu acima, entende? Mas está mesmo a entender? Eu penso que o senhor não está bem a ver a importância da pessoa com quem está a falar...eu já fiz, Shakespeare e todos os grandes autores ingeleses, está a ver? Quais? Então...quais...todos, percebe? Nenhum em específico mas todos em particular, entende? O que eu lhe quero transmitir é que sou uma pessoa com enorme crédito, e vendo bem nas bilheteiras como você sabe e sinceramente...esta sua primeira peça, rapaz...não é que seja má, quem sou eu para dizer isso, mas não é a indicada para mim, entende? Eu preciso de outras coisas, das grandes palavras, dos grandes textos, dos grandes dramatismos da arte inglesa, uma certa maneira de fazer teatro...não sei se está a ver onde eu quero chegar. Mas ouça, porque é que não vai para casa e volta daqui a uns tempos com uma nova peça? Teria todo o gosto em lê-la e quem sabe até poderia interessar-me por ela e fazê-la, mas não esta, isso não. Isto é bom para uma actriz estreante mas como deve compreender o meu estatuto já não é para este tipo de papéis, eu fiz lady Macbeth, a das mãos sabe? Limpava todas as noites as mãos à mesma toalha...enfim, histórias do teatro, que você não deve estar interessado em ouvir. Mas compreendo que tenha vindo ter comigo, eu tenho um certo fascínio, é muito natural que me tenha procurado, não acho nada estranho, afinal de contas sou uma grande estrela, é preciso ter a noção clara disso, e eu, graças a Deus tenho, ah, meu amigo! Sou a melhor a representar. Ninguém decora textos como eu...e representa como eu claro, nao é só decorar, não pense que apenas decoro, eu trabalho, eu tenho...bem, você entendeu. Mas porque está tão pálido? E porque treme assim das mãos? O que se passa consigo? Quer dizer-me alguma coisa? E porque está a tocar-me assim? Que é...
Don´t speak!!!

A partir de "Bullets Over Broadway" de Woody Allen

Segredos

Meu amor, porque me prendes?
Meu amor, tu não entendes?
eu nasci para ser gaivota.
meu amor, não desesperes
meu amor, quando me queres
fico sem rumo e sem rota.

Meu amor, eu tenho medo
de te contar o segredo
que trago dentro de mim
sou como as ondas do mar
ninguém as sabe agarrar
meu amor, eu sou assim.

fui amado, fui negado
fugi e fui encontrado
sou um grito de revolta
mesmo assim, porque te prendes?
foge de mim, não entendes?
eu nasci para ser gaivota.

Paulo Valentim

Porque não conseguimos fugir das gaivotas? Porque elas teimam sempre em pairar? Liberdade...não te vou cortar as asas.

O Que Farei Quando Tudo Arde?

A janela estava aberta como sempre esteve, como se fosse esperado um visitante que nunca apareceu, como se as almas estivessem ali à espera que algo acontecesse; talvez o sol não nascesse naquele dia em respeito a ele, que ali estava, simplesmente à espera, sem contar o tempo, sem olhar para o relógio, apenas a ver o estranho rumo da natureza quando o vento se lembra de levantar as pequenas folhas que caem pelo chão. Estava um dia cinzento, daqueles que não apetece fazer nada, a não ser ficar parado e a lembrar tempos que já passaram, tempos vividos (bem vividos), de sorrisos, de amor, de beijos, das estranhas tardes de sol que só Junho sabe ter...somos tão diferentes em Setembro; Setembro tem a doce melancolia dos dias que já foram, aviva as memórias, faz-nos recordar as coisas que passaram, as coisas que ficaram, "o que farei quando tudo arde?" escreveu Lobo Antunes, o que faremos quando as memórias não queimam? Não ficam em cinzas? Quando há sempre esta fogueira dentro de nós pronta a expulsar labaredas para quem quer que se aproxime (cala-te coração! Não digas mais nada! Não vês que alguém te pode ouvir? Não vês que estás demasiado acelerado? Olha se alguém dá por ti a bater dessa maneira? O que vai pensar de mim? Sim...quem tem um coração a este ritmo não pode estar muito bem!) Não mandamos em nós, nem no que queremos, apenas podemos tentar esconder aquilo que sentimos, umas vezes com sucesso, noutras a verdade é demasiado nítida. E sabem o que nos resta quando tudo arde? Uma janela aberta...como sempre...como antes...à espera da estranha alma que tem pernas e anda...por aí.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Rifão Quotidiano

Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia

chegou a Velha
e disse:
olha uma nêspera
e zás comeu-a

é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece

Mário-Henrique Leiria

Palavras para quê?

domingo, 14 de setembro de 2008

No Silêncio Da Noite

Ás vezes no silêncio da noite
Eu fico imaginando nós dois
Eu fico ali sonhando acordado, juntando
O antes, o agora e o depois

Por quê você me deixa tão solto?
Por quê você não cola em mim?
Tô me sentindo muito sozinho!

Não sou nem quero ser o seu dono
Mas é que um carinho às vezes cai bem
Eu tenho meus desejos e planos secretos
Só abro pra você mais ninguém

Por quê você me esquece e some?
E se eu me interessar por alguém?
E se ela de repente me ganha?

Quando a gente gosta é claro que a gente cuida
Fala que me ama só que é da boca para fora
Ou você me engana ou não está madura
Onde está você agora?

Caetano Veloso

Talvez te ame da mesma maneira com que as andorinhas voltam na Primavera e com que as folhas caem no Outono, porque é natural, porque está no tempo, porque tinha de ser...

Ainda Que

Ainda que mal pergunte,
Ainda que mal respondas;
Ainda que mal te entenda,
Ainda que mal repitas;

Ainda que mal insista,
Ainda que mal desculpes;
Ainda que mal me exprima,
Ainda que mal me julgues;

Ainda que mal me mostre,
Ainda que mal me vejas;
Ainda que mal te encare,
Ainda que mal te furtes;

Ainda que mal te siga,
Ainda que mal te voltes;
Ainda que mal te ame,
Ainda que mal o saibas;

Ainda que mal te agarre,
Ainda que mal te mates;
Ainda assim te pergunto
E me queimando em teu seio
Me salvo e me dano: Amor.

Carlos Drummond de Andrade

A pergunta agarra-se à garganta como um sufoco que não sabe como há-de sair. Olho para todos os lados à procura de algo que não me seja estranho, mas apenas vejo estas estranhas sombras que o Outono teima em trazer consigo; nesta altura é tudo tão diferente, o céu tem cores castanhas e parece que o Inferno subiu à terra tal é a humidade e a temperatura que tem tudo à nossa volta, as ruas, os corpos...há uma estranha transpiração no Mundo por esta altura, há os gritos sufocados das dores não reveladas, há a solidão dos quartos de Lisboa onde as janelas nunca se abrem, há a miséria encoberta do mendigo que anda pelas ruas sem destino. E há a pergunta...esta estranha pergunta que rouba os ponteiros ao relógio e faz o tempo parecer areia que escorre por entre os dedos. Ponho água por todo o corpo para tirar este cheiro, para tirar esta podridão que nos absorve, andamos no mundo e julgamos ser seres limpos mas todos temos tantas coisas que encobrimos, que não revelamos, somos imundos. Porque não dizemos tudo o que nos apetece? Porque não revelamos todos estes segredos que fazem parte de nós, um dia alguém vai descobri-los e não vai ter nenhum problema em os revelar, mas isto é uma troca de favores, se alguém conta algo nosso nós contamos algo desse alguém, e assim sucessivamente, ninguém anda encoberto neste estranho "Big Brother" em que vivemos, somos constantemente vigiados, em cada rua alguém espreita e em cada beco alguém nos espera, sabe-se lá para quê...

Sabe-se Lá
Quando a sorte é boa ou má
Sabe-se Lá
Amanhã o que virá

Breve desfaz-se
Uma vida honrada e boa
Ninguém sabe quando nasce
Para o que nasce uma pessoa

É estranho o pulsar da terra, os rostos na rua, as ondas da praia...quem inventou tudo isto e para quê? Qual o destino desta Humanidade? Porque andamos todos aqui? Temos direcção? Então porque é que ninguém nos entregou um mapa à nascença? Pelos menos dêem-nos pistas para sabermos para onde vamos, por onde devemos seguir...ou talvez seja melhor assim, cada um construir os caminhos à sua maneira, ao fim ao cabo a meta é sempre a mesma, a morte espera-nos nalguma encruzilhada e esse é o fim para que todos corremos. E todos gostamos de alguém, andamos à procura desse tal amor que dê algum sentido ao estarmos aqui, que nos apoie um pouco neste estranho bulício que vivemos, e todos temos a pergunta na cabeça:

Amas-me?
Amamo-nos?

Amo-te?

xiuuuu...

Crescimento

Será possível apagarmos da memória coisas que aconteceram connosco? Talvez não, mas por vezes ela surpreende-nos e há já coisas que nem nos lembramos que aconteceram. Até os pequenos momentos de felicidade que foram passando por nós ganham um sentido relativo quando comparados com um todo (que é a nossa Vida). Tive alguns desses momentos, todos tivemos, mas também tive os que vêm depois das ilusões vividas (a felicidade não passa de uma ilusão, quanto muito há momentos em que nos sentimos mais alegres e mais em paz com tudo o que nos rodeia). Hoje não voltaria a cometer erros do passado, não sou o mesmo que era, embora por vezes possa parecer; o que muda não está à vista, está guardado num sítio à espera de se mostrar, ou talvez não tenha coragem para tal e viva apenas dentro de nós para a eternidade. Eternidade...também acreditei nela, que ela apenas tinha o tempo que nós queríamos e coisas desse género, é tudo tão mais simples, o tempo é tão mais simples, e uma porta que se fecha é uma janela que se abre, e uma janela que está encostada é uma gaveta que está entreaberta e por aí adiante...realmente é tudo relativo. As coisas parecem difíceis de ultrapassar no momento mas depois o tempo vai passando, o sol vai continua a nascer, a lua a brilhar, as estrelas a aparecer e tudo parece mais simples, o mundo não parou, o Universo continua a trabalhar, continuam a aparecer novas pessoas e novos caminhos por onde seguir. Não esquecemos o que ficou para trás, apenas algumas coisas que a memória vai censurando com o tempo mas que se quisermos ainda lembramos, eu não quero, prefiro viver nesta doce calma de andar e poder ver quem quer que seja que o meu coração continua a ter as batidas normais. Já não ando à espera que um telemóvel toque, de voltar a sítios onde fui "feliz", de ouvir as canções que ouvia...hoje o telemóvel toca quando tem de tocar, os sítios são apenas sítios por onde passei (e o Mundo ainda tem tantos...) e as músicas são apenas poemas que fizeram sentido numa certa altura. Talvez as mudanças se vejam nestas pequenas coisas, nestes pequenos passos, como se fosse um bebé a aprender de novo a andar, e sabem uma coisa? Já não preciso do apoio de alguém, já me sei levantar sozinho:)

sábado, 6 de setembro de 2008

À Meia Noite Todos Os Gatos São Pardos...

Não sei mais o que dizer. Dissemos tudo o que poderia ter sentido e algumas coisas ainda ficaram por falar, embora talvez nunca venham sequer a ser ditas. Olhos nos olhos as coisas seriam de outra forma, não seria esta estranha cadência que as palavras escritas têm, sairiam as coisas naturais, as palavras essenciais, pois as palavras ditas são mais forte que as escritas. Algumas coisas ficaram-me na memória, não tenho a certeza se as quero apagar, penso que não devemos apagar aquilo que é nosso, aquilo que ouvimos, dissemos, escrevemos...tudo isso será importante depois, para recordar tempos mais tarde, para vermos as atitudes que tomámos, por vezes não foram as mais certas (já me arrependi de tantas...) mas na altura tinham sentido e só por isso merecem o meu respeito. A vida é tão confusa por vezes; não nos deixa ver aquilo que queremos, fazer aquilo que queremos, ser imponderados, não pensar, não ponderar nas coisas (porque se perde tanto tempo a pensar e não se age logo? Acabamos por fazer a asneira à mesma, mais vale fazê-la o quanto antes...). Somos todos um projecto inacabado, no papel, nunca chegamos a ser o edíficio completo, ficamo-nos sempre pelos pequenos pormenores, à superfície do que poderíamos realmente ser, claro que uns vão mais longe do que outros (e há uns que embora estando para trás pensam sempre que estão alguns passos à frente, só mostra o quanto ainda lhes falta tropeçar, cair...). O jogo está viciado...as cartas são sempre as mesmas...o baralho é antigo...os jogadores não mudam..cheira tudo a mofo, o mundo está repleto de naftalina e não passa de bolor agarrado ao Universo; por vezes penso que devia vir um cometa e arrasar com isto tudo, começar tudo outra vez, mas não para isto ficar melhor...apenas para isto ficar diferente, é tão entediante acordar e ver que tudo está na mesma, nada muda, tudo à nossa volta permanece igual. Sim...há alturas em que tudo nos parece diferente e parece que as coisas mudaram, ilusão do momento, por dentro, no caroço das coisas, continua tudo igual, o bicho continua a roer a fruta enquanto nós ainda vamos na casca. Era necessário uma vacina para tudo isto, bem espetada no coração de cada um de nós (ou na cabeça? Onde está o ínicio de tudo? Quem nasceu primeiro? A galinha ou o ovo? A realidade ou a ilusão? Será que somos uma verdade, uma coisa concreta? E se temos fios? E se somos manipulados como marionetas? E se alguém constrói o nosso destino num caderno de linhas tortas? E se alguém está a escrever a nossa vida? Será que nesse sítio existe corrector? Que se podem apagar certas coisas?) É tudo tão superficial, andamos por aí e é tudo tão à superfície...ninguém se conhece, ninguém quer conhecer os outros, somos coisas minisculas que vamos chocando uns nos outros a certa altura mas que seguimos sempre caminhos diferentes. Que estranhas são as caras do mundo...das pessoas...das ruas...tudo com máscaras...tudo uma tragédia sem autor. Faltam-me as palavras, não sei mais como descrever tudo isto, mas também não tenho de o fazer, posso ser como os outros...um inútil que fica a assistir ao estranho espectáculo que é a vida, porque tenho de ser um interviniente? Posso apenas ser um mero espectador, não saltar para o outro lado da cortina (mas a tentação é tão grande...de pertencer ao espectáculo). Não quero olhar para ninguém hoje, vou apenas olhar para um espelho (já sei que vou fugir, já sei que vou ter medo dos meus olhos e do que eles mostram), mas posso sempre apagar as luzes e ficar apenas eu e o espelho, na penumbra...eu a tentar entrar em mim mesmo, numa estranha metamorfose. O silêncio pode dizer tantas coisas, pode trazer tantas novidades. Vou abrir a minha janela e vou fitar a lua, como se estivesse a preparar um duelo sem armas (ou tu ou eu...) e será que ela vai responder? Será que a lua vai descer de lá de cima e vai entrar pelo meu quarto a dentro? Será esta essa noite? Será? À meia noite todos os gatos são pardos...

Ao vento...

Baixo os braços e a cabeça como comandante derrotado perante o seu batalhão. Cansei-me de tudo; depois das guerras passadas, do deserto percorrido, já nada ficou, já nada resta. Apenas o estranho sossego destas tardes de Setembro, a estranha brisa que corre pelas árvores e faz com que as folhas se movimentem lentamente. Antes eu também queria ser folha, queria poder cair de uma árvore enorme e andar por aí sem destino, apenas voar pelos sítios que já conhecia, mas agora quero ser árvore, não pretendo mais sair do mesmo sítio, quero ser o estranho monge que não desce da montanha e que ali fica feliz. Também eu sou feliz agora, nesta montanha onde me pus a observar tudo o que se passa nas terras distantes. Apetece-me ouvir guitarras, abraçar-me à canção e cantar os grandes poemas da nossa língua, sentir o sal da língua, sentir este mar que somos neste oceano em que nos perdemos, cantar, cantar...percorrer as ruas de Lisboa, ir à velha taberna e poder ver o sorriso (de tristeza, de alegria...) na cara das pessoas. Hoje quero ser embalado por essas canções de resistência, quero gritar às paredes para que o povo me ouça pela cidade:

Venham mais cinco, duma assentada que eu pago já
Do branco ou tinto, se o velho estica eu fico por cá
Se tem má pinta, dá-lhe um apito e põe-no a andar
De espada à cinta, já crê que é rei D'Aquém e Além-mar

Não me obriguem a vir para a rua gritar
Que é já tempo de embalar a trouxa e zarpar...
Tiriririri...buririririri...tiriririri...puraburiabaie...

Já sinto o cheiro a terra nova, a terra nunca antes pisada, a qualquer coisa de novo que se move, novos tempos se aproximam (sempre), temos apenas de estar disponíveis para eles e sentir-lhes o sabor, olhar para o céu e saber interpretar as nuvens, não ver caras mas ver presságios, ver o nosso futuro escrito no azul do céu. Antes eu não era assim mas:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Muda-se o amor e a esperança
Todos nós somos compostos de mudança...

Mas não me esqueço do que ficou para trás, seria impossivel fazê-lo, foram tantas coisas, tanta Vida, dezoito anos, foi tudo isso que ajudou a construir aquilo que eu hoje sou, foram todos vocês que vão passando pelo meu caminho (os que ficaram, os que foram...), todos vocês que ainda vão aparecer, todos aqueles que desapareceram sem deixar rasto mas que ainda me vou lembrando (tempos em que tinha berlindes na mão e chegava a casa com as calças sujas...). Obrigado. Obrigado por tudo aquilo que me trouxeram, principalmente as pessoas especiais que foram passando por mim (poucas é certo mas insuficientes ainda...). Venham mais cinco, venham mais dez copos, vamos fazer uma grande festa, vamos brindar a nós todos, vamos festejar tudo isto que nos acontece. Batam copo com copo. Quero ouvir o estranho som do vidro, e ao fim da noite ver o nascer do sol na minha janela. Respirar o ar da manhã, ser a tal árvore, grande, repleta de folhas, ao vento...

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Início / O Livro Dos Amantes II

Uma dor fina que o peito me atravessa,
A escuridão que envolve o pensamento,
Um não ter para onde ir cheio de pressa,
Um correr para o nada em passo lento,

Um angustiante urgir que não começa,
Um vazio a boiar no alheamento,
Uma trôpega ideia que tropeça
No vácuo de um estranho abatimento.

É tédio? É depressão? Talvez loucura?
É, para um além de mim, passagem escura?
Um ir por ir que não tem outro lado?

É, sem máscaras, a esperança enfim deposta,
Ou no extremo da verdade exposta
A ironia feroz de um deus calado?

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Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
não compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.

Natália Correia

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Coisa Amar / Sobre Um Mote De Camões

Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como dói

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

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Se me desta terra for
eu vos levarei amor.
Nem amor deixo na terra
que deixando levarei.

Deixo a dor de te deixar
na terra onde amor não vive
na que levar levarei
amor onde só dor tive.

Nem amor pode ser livre
se não há na terra amor.
Deixo a dor de não levar
a dor de onde amor não vive.

E levo a terra que deixo
onde deixo a dor que tive.
Na que levar levarei
este amor que é livre livre.

Manuel Alegre


Tudo...E Nada

Olha o modo como aquela mãe embala o filho nos seus braços
como se o mundo tivesse parido a felicidade no seu ventre
como se ela fosse uma extensão de todos nós, do que podíamos
ser se conseguissemos algum dia ser apenas paz...calma...
porquê esta ânsia de viver no amanhã sem viver o hoje?
porquê este não saber para onde irmos e não pararmos para pensar?
A lucidez foge-nos por entre os dedos, somos restos de algo
que veio ao mundo, somos metade daquilo que eramos
quando nascemos. A vida não traz evolução...traz inteligência
que é o mal da humanidade, porque todos julgam que a têm
mas ninguém sabe o que ela realmente é.
Era tudo tão mais simples se fossemos apenas os braços
que embalam aquela criança. Porquê que não somos canções de embalar?

Dorme meu menino, a estrela de alva
Já a procurei e não a vi
Se outra não vier de madrugada
Outra que eu souber será para ti

Gostava de ser uma nota musical, de ficar pelo ar
e ser agradável ao ouvido. Somos uma pálida sombra
daquilo que sonhámos realmente ser, não somos ousados,
andamos a marcar passo sem pedir licença.
Queria trincar o fruto proíbido, só para lhe sentir o sabor,
ficar com o caroço entalado na garganta e sentir
o meu corpo sufocado, sentir vida por dentro desta pele
que me agarra ao mundo.
Queria ser urso e correr pelas montanhas, à caça de tudo
aquilo que mexe e que deita odor. Predador sem destino...
Esquecer esta selva em que vivemos e ir para aquela que é real;
Quero ser mordido...quero que venham tiros contra mim
sentir a dor de viver...sentir que algo ainda pulsa,
e lá longe quero ouvir disparos de canhões...quero fogo!
Quero grandes labaredas a tocar no céu
e sentir que tudo isto não passa de um vulcão com lava,
e depois quero apenas ser pedra que observa o que passa
mas não sabe nada de si mesma.

Só de ouro falso os meus olhos se douram;
Sou esfinge sem mistério no poente.
A tristeza das coisas que não foram
Na minh'alma desceu veladamente.

Quero ser poesia, quero que as palavras cresçam
e que se juntem em acordes perfeitos,
quero ser escala afinada, quero ser a liberdade poética
que todos trazemos nas veias.
Quero puxar das rédeas deste cavalo à solta
que anda por sobre o mundo sem encontrar o feno.

Em ti respiro
Em ti eu provo
Por ti consigo
Esta força que de novo
Em ti persigo
Em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo.

Não quero saber para nada de ternura, por agora
quero os gestos violentos, quero a paixão entrenhada na carne,
quero a violência dos instantes vividos, não contados,
quero o barulho secreto das tocas, quero ser doninha
que se esconde e que deixa rasto. Hoje sou esconderijo,
sou aquele que se nota mas que ninguém vê.
Ah! Se eu podesse ser sombra e cuspir no chão!
Ah! Se eu podesse ser fome e não ter pão!
Ah! Se eu podesse ser sede e não ter água!
Não pensem que sou sermão, que falo aos peixes,
falo para vocês todos que lêem estas palavras
e nelas buscam reconhecimento.
Ah! "Tabacaria"...poema nunca feito
palavra não construída
pensamento sem fim...
nada...tudo...e nada...

Oferta

Amo a noite como já não amava ninguém...
Amo a noite porque ela traz-me o silêncio,
a paz que preciso para pensar, em mim, em...
Amo a noite porque todos os barulhos são nítidos,
porque até consigo ouvir a minha respiração,
o pulsar da terra (ah! Terra, quando te abres
e me engoles para sempre?)
Quero a noite como se quer a uma amante
que ficou deitada num lençol de espuma
com colchas feitas de orvalho;
Quero-me deitar com a noite,
quero ser envolvido por ela e pensar
que sou um sonho, ah! Não quero acordar de manhã...
Quero apenas ficar encostado a ti...noite...
Dás-me uma estrela?
Dás-me a lua?
Tens algo para me dar?
Para ti...o mundo.