Lembro-me de ti sentado à minha frente a dizer-me: "agora diz lá isso" e a dar-me cada pausa, cada entoação, a descobrir o Gil Vicente para lá do óbvio, a desbravar o Esopo e a saber a medida perfeita para o fazer, soubeste dar-me os tempos dos grandes, aqueles que se ouvem entre cada respiração, soubeste dar-me a base daquilo que sou hoje e nunca o escondi. Lembro-me do primeiro impacto, o ter Raul Solnado mesmo à minha frente, o primeiro sorriso quando percebeste que a comédia pulsava em mim, a vontade de me veres no Parque Mayer quando tinha decidido concorrer ao casting do "Hip Hop'Arque": "vou falar ao Nicholson de ti, vou dar-lhe uma apitadela". Lembras-te do S.O.S Suícidio? O que tu te riste, o que tu me ensinaste com aquele texto que tinha escrito mesmo no dia anterior a mostrar-to (mais uma vez as pausas, os tempos, e até um novo final, um remate como só tu sabias fazer). Lembro-me também quando tentaste fazer connosco uma cena dramática, eras o patrão e nós queríamos desesperadamente um emprego, as tuas palavras foram: "está bem, pedes um emprego como um cómico mas está bem"; nunca quiseste ver nada para além da comédia em mim, sabias que era aquilo que eu fazia melhor e que devia ser esse o caminho que eu devia seguir, mas tal como tu não queria ficar agarrado a um certo tipo de teatro, precisava de mais, tinha a pulsação dramática dentro de mim, sabia que tinha um jeito natural para a comédia mas queria mais para além disso. Toda a minha base nunca me vou esquecer de onde vem: agradeço a ti, à Jô, ao Zé Renato, ao Thiago, tudo aquilo que eu sou hoje começou pelo vosso incentivo, não, não me esqueci dos olhos brilhantes da Jô e tenho saudades deles, saudades da forma como era acarinhado, saudades de ouvir o Zé Renato a dizer: "ainda havemos de fazer uma Revista", saudades de fazermos a tal grande comédia que eu há muito ando a pedir. Nunca me esqueço de vocês tal como nunca me vou esquecer de ti, Raul. Vais ter a tua merecida homenagem, infelizmente não tive tempo em vida para te dizer o quanto te agradeço, mas vou agora redimir-me do que não consegui fazer por o tempo ser pouco (mas não quero utilizar o tempo como uma desculpa, devia ter tido o tempo para voltar onde fui tão feliz e onde aprendi tanto), quero fazer o pequeno grande espectáculo que mereces, quero recordar esse "Malmequer" que tu eternizaste, quero dar uma sincera homenagem a alguém que me deixa memórias tão profundas neste meu camarim da saudade. Obrigado, Raul, obrigado por tudo. Se hoje sou quase um actor é a ti que o devo agradecer, o apoio que me deste, o que disseste do Carlos Avilez (se ele soubesse o carinho que tinhas por ele, o respeito que tinhas pelo Carlos, dizias que ele era o melhor, que para ensinar e encenar não se podia ter melhor mestre, e tantas vezes disseste que ele ia fazer de mim um Actor).
Por agora o teu malmequer ficou desfolhado
até já, Raul...
...para sempre, Solnado.
sábado, 8 de agosto de 2009
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2 comentários:
Deixaste-me escapar algumas lágrimas, confesso.
Almas como estas nunca desaparecem :) e tu sabe-lo tão bem como eu.
Os GRANDES nunca vão. Ficam sempre a pairar pelos que continuam aqui.
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