segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Ninguém Limpa As Lágrimas A Quem Chora

A menina chorava à janela todos os dias, não sabia porque chorava e também não tinha interesse em saber, gostava de sentir as lágrimas a cairem-lhe pela cara, tinham o estranho gosto do mar e, por momentos, ela podia sentir-se como uma onda. Ninguém reparava na menina que chorava à janela, há já muito tempo que ninguém reparava na dor que pairava por aquela casa, já se tinha tornado um hábito ver os seus habitantes com os olhos rasos de lágrimas, era um cantochão que teimava em nunca acabar, uma dor que não podia ter fim, já fazia parte da família e era sempre convidada a jantar à mesa, como um formal convidado. A menina tinha uma boneca que apertava contra o peito quando sentia a dor mais intensa, nunca lhe tinha dado um nome, não precisava que aquele seu brinquedo tivesse um nome, apenas queria apertá-la contra o seu peito e sentir que tinha alguém com ela, ningúém gosta da solidão e ela tinha de arranjar uma companhia para não enlouquecer por entre as suas lágrimas; a boneca não era muito bonita, tinha uns longos cabelos pretos e uns olhos castanhos, mas não aquele castanho simpático, côr de avelã, era mais um castanho de sujo, de impuro, algo que trazia uma energia negativa, mas no entanto...no entanto aquilo era apenas uma boneca e a sua aparência não interessava para a menina, era a sua companhia e pronto, era mais que o suficiente. Melhor ainda ela não ser bonita, assim se alguém aparecesse não ia reparar na boneca mas sim na menina; também ninguém aparecia, a casa já não tinha visitas há muito, encontrava-se encerrada em si mesma, uma casa feita de sombras e fantasmas, onde os passos que se ouviam a meio da noite faziam-nos viajar para outro tempo, tempos em que naquela casa havia festas até altas horas e enconbria-se a tristeza em taças de champanhe. Ninguém limpa as lágrimas a quem chora, ninguém liga aquilo que não conhece e ninguém podia adivinhar o coração desesperado daquela criança, o coração desesperado por gritar mas no entanto, tendo de suportar uma garganta que não se queria abrir, apenas ficar encolhida dentro do corpo humano. O medo nunca se mostra, vive por detrás das vidraças mais encobertas e nunca lança um sorriso para a rua, no outro lado da janela, lá em baixo, no jardim, existia um baloiço que nunca tinha sido utilizado, claro que a menina, já por várias vezes até, tinha pedido para ir andar um pouco nele mas sempre lhe foi negada a vontade, a menina tinha era de ficar fechada no seu quarto e pronto, se quisesse balançar tinha os seus sonhos para fazê-lo. E ela sonhava...sonhava muito, o mais que podia, entrava noutro mundo de cada vez que um sonho a assaltava, era por isso que dormia até tarde, também não tinha nada para fazer caso acordasse cedo, tinha sempre a sua janela à espera e uma lágrima pronta a cair. Esperava que um dia alguém viesse e lhe trouxesse uma flor, qualquer flor, tinha um vaso pronto há já algum tempo para receber esse presente de alguém, queria dar um pouco de vida aquele quarto mas apenas com uma flor, nada mais do que isso, na vida nunca se deve cometer exageros, sempre tudo com ponderação, pelo menos era isso que lhe diziam de cada vez que a viam. Gostava de amar alguém, que alguém a ensinasse a amar, só sabia da existência do amor por um velho livro que escondia debaixo da cama, mas parecia tão bonito, parecia tão fácil amar alguém, e até o beijar parecia ser simples, o encostar os lábios e sentir a respiração da outra pessoa, tudo isso a intrigava e fascinava, além de que fazia ela querer saber mais e mais, mas nunca conseguiu ir até à biblioteca da casa, apenas tinha encontrado aquele velho livro esquecido em cima de uma cadeira. Ela sabia que um dia tudo ia mudar, um dia ia sentir vontade de sorrir em vez de chorar e a partir daí mais nenhuma lágrima iria percorrer o seu rosto, não sabia se esse dia estava perto ou longe mas também não interessava, ela tinha tempo...e a sua boneca também.

1 comentário:

LSL disse...

Não se enxugam mas abraçam-se. Fiel até sempre, como desde o primeiro dia.

LSL