sábado, 15 de agosto de 2009

Brando, Davis, Bertolucci...

A arte entra em mim diariamente das mais diversas formas. Há dois dias atrás tive a oportunidade de ver pela primeira vez um filme com a sempre falada Bette Davis e fiquei fascinado, primeiro pela riqueza da técnica, por cada gesto, cada esgar do seu sorriso, de cada vez que movia uma mão sentia-se todo o seu corpo a revolver-se, tinha aquela calma que só têm os grandes quando já sabem que são grandes e que não têm de se preocupar com o que se passa à sua volta porque façam o que fizerem fazem bem

(sim, é verdade, existem actores que chegam a este grau, que por muito que olhemos não conseguem fazer algo que possa ser considerado errado, é como se tudo fosse premeditado, quando sabemos perfeitamente que não foi)

o filme em questão chama-se "Eve" e foi dos filmes mais nomeados para os Oscars da Academia até hoje, um daqueles filmes de duas horas que nos fazem ter saudades do que foi Hollywood, um filme que fala dos meandros do teatro e que põe frente a frente a nova com a velha geração, um filme que retrata a ganância daqueles que aparecem sabe-se lá de onde e que deitam tudo a perder pois mais tarde ou mais cedo são apanhados na sua própria ratoeira

(obviamente que também tenho de referir o extraordinário desempenho da Anne Baxter, aquela cara de anjo com olhos de demónio podiam enganar qualquer um)

um extraordinário filme com uma direcção de actores perfeita, cada lágrima, cada contenção, cada gesto da câmara é perfeito, mais do que aconselhar é obrigatório vê-lo, e para quem estiver atento há-de reparar na pequena Marylin Monroe, digo pequena porque foi um dos seus primeiros papéis no cinema, mas já então era impossível de não reparar na beleza e sensualidade que ela transportou até ao fim da sua vida. Por último um pequeno reparo...reparem nos olhos da Bette Davis e digam se não se parecem com os de alguém, reparem na cara, nos gestos, nas feições...não vou dizer mais pois ainda me acusam de serem coisas da minha cabeça mas deixo aqui uma pista: "...corpo de linho...lábios de mosto..."; se fossem irmãs não eram tão parecidas.

Outra referência cinematográfica que vi

(e como é bom estar de férias e poder fazer uma descoberta a cada dia que passa...)

foi esse drama erótico de Bertolucci chamado "O Último Tango em Paris", e que tango...e que monstro da representação foi esse Homem chamado Marlon Brando, como ele é subtil, como ele é trágico, como ele respira, como ele diz um texto, como ele transforma o desespero em algo tão fácil e como ele transporta a sensualidade daquela personagem em cada segundo de película, Maria Schneider fica agarrada e qualquer um de nós. E díga-se em abono da verdade, ninguém como Bertolucci para gravar cenas de sexo sem se tornar vulgar, ninguém como ele para mandar a cada minuto uma carta de amor ao cinema

(e sim, torna-se obrigatório recordar aqui essa outra carta que foi Dreamers, esse seu devaneio adolescente, talvez essa seja a sua verdadeira despedida, seja o beijo que ele nunca pôde entregar à sétima arte, é ali que sentimos cada pulsação de um Bertolucci a celebrar o cinema mas também a juventude e os seus excessos, as suas festas, o seu prazer de viver)

ninguém como Brando para tornar aquilo que podia ser vulgar em sagrado, e se a actuação nos parece, no ínicio, forçada, é logo dissolvida ao longo do filme, Brando vai-se deixando levar pela história e pelo enredo, talvez pela própria Schneider de vinte anos, sabemos como ele gostava de ser galã dentro e fora dos ecrãs...é um marco da sétima arte, é um prazer ver como Bertolucci filme Brando a correr pelas ruas de Paris e ver como um grande actor torna um simples tango num grande festim grego, é a celebração da tragédia, é Piazolla posto ao mesmo nível de Sófocles

(claro que também isto foi agora um devaneio...)

Bem haja aos actores, por a cada dia, ainda nos fazerem sonhar.

1 comentário:

Niusha disse...

Correcção...
O filme chama-se "All About Eve", traduzido como "EVE" para Português.
Merci*

(Depois tens aquela teoria do Miguel Graça... Que o "Todo sobre mi madre" é fruto desse e do "Noite de Estreia" do Cassavets