sábado, 29 de agosto de 2009
À Janela
Cada vez que eu olhava para o lago esperava o barco que ia trazê-lo; para dizer a verdade isto não passava de um sonho que me acompanhou a juventude toda, para ser sincera nem precisava de ser um barco, ele poderia vir num cavalo ou até numa mota (embora esta ideia da mota não tenha metade do romantismo de um homem a cavalo). Às vezes até abonecava-me um bocado, afinal de contas queria estar apresentável no dia em que ele me aparecesse, não podia ser surpreendida porque depois ele podia não se apaixonar por mim. Isto não passam de sonhos, apenas isso, sonhos que eu fui acalentando durante a minha vida toda, ideias que nasceram dos romances que eu nunca li e dos quais apenas vi as capas, ideias vindas dos filmes com os actores da moda, e de alguns filmes antigos também, ainda estremeço um bocado quando vejo a imagem do Brando, talvez trema por ele me fazer lembrar o meu pai, por ter os olhos dele e até algumas parecenças físicas, mas também isto pode apenas ser a minha imaginação. Não conheço o meu pai, dele apenas tenho uma foto em cima do aparador e nada mais, acho que a minha mãe tem mais algumas coisas mas nunca mas mostrou, são coisas dela e ninguém tem nada a ver com isso, que ninguém mexa em nada do que lhe pertence. Lembro-me quando era pequenina, antes de ficar os meus dias aqui á janela, e ia ao quarto dela às escondidas, mexia em tudo o que podia e depois voltava a arrumar com o máximo dos cuidados pois se ela viesse a descobrir alguma coisa era mais que certo que me dava alguma palmada; adorava experimentar os vestidos dela e andar-me a roçar pelas paredes da casa, às vezes até punha um pouco de perfume atrás das orelhas porque dizem que é onde menos se nota, ah! E não me posso esquecer do baton, o velho baton vermelho que ela punha todos os dias. Hoje já nada disso persiste, nem os vestidos nem os perfumes, é apenas uma miragem daquilo que já foi, vive de vida morta e não sabe como sair dela, sinceramente também acho que ela não quer sair da masmorra em que ela própria se pôs, talvez se sinta protegida e já não esteja preparada para a vida cá fora. O que me mete confusão é como é que nós sobrevivemos, não sei de onde vem o dinheiro para a nossa sobrevivência, apenas sei que ele aparece, nada mais. Até hoje nunca me faltou nada, se quero alguma coisa basta ir ao quarto e falar com ela, e depois as coisas vão aparecendo. Há já alguns anos que eu escolhi este lugar aqui à janela, escolhi-o porque sei que o meu príncipe há-de aparecer, seja no pequeno lago em frente à casa pelo bosque que a cerca, o que me interessa é que ele vai aparecer, isso é o importante! A minha mãe diz que eu já não tenho idade para acreditar nestas coisas mas ela também não sabe nada da vida, já não sai daquele quarto há anos, não tem a noção de como estão as coisas cá fora agora. Eu gostava que ela saísse, que viesse ter comigo e que fossemos passear, nem que fosse durante pouco tempo, gostava de passar alguns momentos com ela fora daqui e fingirmos…fingirmos que somos normais, não sei…não sei explicar-me, nunca fui muito boa com as palavras, nunca as soube escolher e também nunca tive muita aptidão para o português, sei o básico para comer e dormir e é mais que suficiente. Sim, talvez seja uma mulher das cavernas encerrada num tempo moderno, ou então talvez seja um mito que eu própria criei de mim mesma e não exista, talvez nem mesmo este lago não exista e seja tudo apenas o fruto da minha imaginação precoce. Viemos do nada e ao nada voltaremos um dia, eu acho que já nasci em cinzas e não vejo a maneira de renascer delas, não fui talhada a ser um ser vivo, apenas mais uma que aqui anda à procura do nada e que dá sempre de frente com o tudo. Não sei o que sou nem para onde vou, talvez um dia ganhe coragem e vá por este lago adiante até à outra margem. Depois digo adeus à minha mãe, pode ser que ela venha ter comigo.
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1 comentário:
Amas as mulheres. É raro num homem.
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