quarta-feira, 17 de março de 2010

A tal Lemercier...(II)

Deixei o vestido sobre cama, minha senhora.
Não levo nada que seja seu, a não ser a minha irmã.
Mas que eu saiba a Clara não lhe pertence.
Não sei o que vai ser de nós, também não estou para me preocupar.
Não faça essa cara, não lhe roubámos nada, nem o seu amante.
Fica tudo como estava antes de chegarmos aqui.
Apenas levamos a noite que fomos nós que trouxemos.
Levo a doce madrugada que nos encobria os gestos.
Está tudo combinado com o leiteiro, ele...ele continuará a vir diariamente.
Não tem de se preocupar com nada, o seu leite continuará a chegar a horas.
Não tente chorar minha Senhora, há muito que a sua cara está seca.
Não precisamos que tenha pena de nós, já basta a pena que temos de si.
Não sorria, se faz favor. É um favor que faz a si mesma.
Esse vestido fica-lhe mal, não vai muito bem com as suas curvas.
Curvas? Eu disse curvas? Como posso falar de uma coisa que é uma inexistência...
Oh, minha Senhora. Não nos guarde rancor.
Nós até gostámos de si, em certas alturas.
Às vezes até sentimos compaixão, mas raras vezes.
A Senhora não me traz nada de bom à memória.
Devo-lhe os piores anos da minha vida, a minha triste existência.
Não me arrependo de nada do que fiz, apenas do que deixo por fazer.
Nunca se esqueça do meu nome, voltarei a encontrá-la de cada vez que fechar os olhos.
Serei a assombração que nunca irá desaparecer da sua cabeça.
A sombra que não sabe largá-la.
Agora...agora vou com a noite.
Até sempre, minha Senhora.

1 comentário:

Pedro J. disse...

Foi um prazer acompanhar-vos... São o orgulho de um amigo babado! :D (só uma coisa, a verificação de palavras para poder comentar no teu blog pediu-me para escrever preto... só uma observação)