Ando na vida à procura
De uma noite menos escura
Que traga luar ao céu
De uma noite menos fria
Em que não sinta a agonia
De um dia a mais que morreu
Vou cantando amargurado
Mais um fado e outro fado
Que fala de um fado meu
Meu destino assim cantado
Jamais pode ser mudado
Porque do fado sou eu
Ser fadista é triste sorte
Que nos faz pensar na morte
E em tudo o que em nós morreu
É andar na vida à procura
De uma noite menos escura
Que traga luar ao céu.
João Ferreira-Rosa
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
domingo, 14 de novembro de 2010
Fado Inventado
Talvez nos encontremos no fim de tarde
Que a nossa memória possa construir
Talvez que a nossa velha saudade
Já não possa olhar para nós e sorrir
Porque o sorriso, por vezes, é falsidade
E esconde aquilo que o coração quer
Nem sempre a boca traz a verdade
Que existe no corpo de uma mulher
Talvez que um dia o tempo seja nosso
E as marés tragam o mar de outra praia
Por enquanto, meu amor, ainda não posso
Beijar a fímbria da tua antiga saia
Talvez que a memória seja o rasto
Que deixamos para um novo amanhã
Talvez o tempo seja tão casto
Que goste de renascer a cada manhã
Talvez que tudo isto seja inventado
E nada, afinal, faça sentido
Talvez seja motivo para o fado
Que nasce do nosso canto já vencido.
Que a nossa memória possa construir
Talvez que a nossa velha saudade
Já não possa olhar para nós e sorrir
Porque o sorriso, por vezes, é falsidade
E esconde aquilo que o coração quer
Nem sempre a boca traz a verdade
Que existe no corpo de uma mulher
Talvez que um dia o tempo seja nosso
E as marés tragam o mar de outra praia
Por enquanto, meu amor, ainda não posso
Beijar a fímbria da tua antiga saia
Talvez que a memória seja o rasto
Que deixamos para um novo amanhã
Talvez o tempo seja tão casto
Que goste de renascer a cada manhã
Talvez que tudo isto seja inventado
E nada, afinal, faça sentido
Talvez seja motivo para o fado
Que nasce do nosso canto já vencido.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Passemos, tu e eu, devagarinho
Passemos, tu e eu, devagarinho,
Sem ruído, sem quase movimento
Tão mansos que a poeira do caminho
A pisemos sem dor e sem tormento
Que os nossos corações, num torvelinho
De folhas arrastadas pelo vento,
Saibam beber o precioso vinho,
A rara embriaguez deste momento
E se a tarde vier, deixá-la vir
E se a noite quiser, pode cobrir
Triunfalmente o céu de nuvens calmas
De costas para o sol, então veremos
Fundir-se as duas sombras que tivemos
Numa só sombra, como as nossas almas.
Reinaldo Ferreira
Sem ruído, sem quase movimento
Tão mansos que a poeira do caminho
A pisemos sem dor e sem tormento
Que os nossos corações, num torvelinho
De folhas arrastadas pelo vento,
Saibam beber o precioso vinho,
A rara embriaguez deste momento
E se a tarde vier, deixá-la vir
E se a noite quiser, pode cobrir
Triunfalmente o céu de nuvens calmas
De costas para o sol, então veremos
Fundir-se as duas sombras que tivemos
Numa só sombra, como as nossas almas.
Reinaldo Ferreira
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
Incógnita Variável
rasga esses versos.
talvez nunca os tenhas lido
se o não fizeste, também não é uma boa altura para o fazeres.
às vezes deviamos esquecer aquilo que fizemos, e muito menos escrever sobre aquilo que fazemos, pois nunca sabemos se vamos gostar de reler aquilo que fomos
alguns não sabem o que foram
muito menos o que serão
o futuro é a nossa incógnita variável e pode ir por estradas em que nunca passámos
não leias aquilo que fomos
esfuma-se da memória os pedaços de vida que fomos deixando por aí
desapareceram os aniversários
hoje já ninguém faz anos
nem temos velas por onde possa soprar o vento do nosso corpo
a brisa que existia já não é variável
já nem existe uma brisa em nós
apenas o leve barulho das folhas que ainda caem
não corras para apanhá-las, vão sempre fugir-te das mãos
a vida esqueceu-se de traçar o nosso rumo
e a palma da nossa mão já não sabe o que há-de dizer-nos
desaparecemos por entre o inverno da nossa memória
hoje, na nossa cabeça, existe apenas um frio sem agasalho
e contudo é outono, novembro voltou,
e tudo continua a ir por este rio acima...
talvez nunca os tenhas lido
se o não fizeste, também não é uma boa altura para o fazeres.
às vezes deviamos esquecer aquilo que fizemos, e muito menos escrever sobre aquilo que fazemos, pois nunca sabemos se vamos gostar de reler aquilo que fomos
alguns não sabem o que foram
muito menos o que serão
o futuro é a nossa incógnita variável e pode ir por estradas em que nunca passámos
não leias aquilo que fomos
esfuma-se da memória os pedaços de vida que fomos deixando por aí
desapareceram os aniversários
hoje já ninguém faz anos
nem temos velas por onde possa soprar o vento do nosso corpo
a brisa que existia já não é variável
já nem existe uma brisa em nós
apenas o leve barulho das folhas que ainda caem
não corras para apanhá-las, vão sempre fugir-te das mãos
a vida esqueceu-se de traçar o nosso rumo
e a palma da nossa mão já não sabe o que há-de dizer-nos
desaparecemos por entre o inverno da nossa memória
hoje, na nossa cabeça, existe apenas um frio sem agasalho
e contudo é outono, novembro voltou,
e tudo continua a ir por este rio acima...
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Não Olhes de Frente Para a Minha Memória
não olhes de frente para a minha memória
se a vires passa de lado e não penses, sequer uma vez, em voltar-te para trás
entrega ao esquecimento tudo aquilo que não lembramos
não vale a pena avivar aquilo que já morreu
não voltes a revolver as cinzas de alguma coisa que ardeu e perdeu-se no fogo
ateia uma nova fogueira
deixa que as chamas cheguem ao céu e construam as estrelas que não soubemos agarrar
faz os desenhos da erva no papel já amarelecido pelo tempo
constrói o templo onde nunca habitámos
isso sim será útil a tudo aquilo que ainda está por vir
lembra-te apenas do único erro que não podes cometer
não olhes de frente para a minha memória
encara-a de soslaio, como algo que nunca existiu
finge que não a conheces, ignora-a
faz isso por mim, por ti, pelo esquecimento
não mexas nessas cinzas
ainda queimas as mãos
e não deites lágrimas sobre essa velha fogueira
ela apaga-se sozinha
tal como o esquecimento.
se a vires passa de lado e não penses, sequer uma vez, em voltar-te para trás
entrega ao esquecimento tudo aquilo que não lembramos
não vale a pena avivar aquilo que já morreu
não voltes a revolver as cinzas de alguma coisa que ardeu e perdeu-se no fogo
ateia uma nova fogueira
deixa que as chamas cheguem ao céu e construam as estrelas que não soubemos agarrar
faz os desenhos da erva no papel já amarelecido pelo tempo
constrói o templo onde nunca habitámos
isso sim será útil a tudo aquilo que ainda está por vir
lembra-te apenas do único erro que não podes cometer
não olhes de frente para a minha memória
encara-a de soslaio, como algo que nunca existiu
finge que não a conheces, ignora-a
faz isso por mim, por ti, pelo esquecimento
não mexas nessas cinzas
ainda queimas as mãos
e não deites lágrimas sobre essa velha fogueira
ela apaga-se sozinha
tal como o esquecimento.
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Questão de Culpa
Que me deixasses só e te afastasses
Foi o que te pedi, sabe-lo bem,
E quando me deixasses
Nem falasses
Do fim do nosso amor com mais ninguém
Mas se andas por aqui como se a vida
Continuasse a mesma entre nós dois,
Tristemente iludida
A despedida,
Para um adeus cruel, mas só depois...
Se é ao banco dos réus que tu me arrastas
Como se o fim do amor fosse algum crime,
Se com palavras gastas
Tu te afastas,
Mas queres que de ti eu me aproxime
É que talvez não saibas que te amei
E que esse louco amor não continua,
De tanto que passei
Desesperei,
E se a saudade é minha, a culpa é tua.
Não resisti a partilhar mais um grande inédito de
Vasco Graça Moura, este para a voz de
Cristina Nóbrega
Foi o que te pedi, sabe-lo bem,
E quando me deixasses
Nem falasses
Do fim do nosso amor com mais ninguém
Mas se andas por aqui como se a vida
Continuasse a mesma entre nós dois,
Tristemente iludida
A despedida,
Para um adeus cruel, mas só depois...
Se é ao banco dos réus que tu me arrastas
Como se o fim do amor fosse algum crime,
Se com palavras gastas
Tu te afastas,
Mas queres que de ti eu me aproxime
É que talvez não saibas que te amei
E que esse louco amor não continua,
De tanto que passei
Desesperei,
E se a saudade é minha, a culpa é tua.
Não resisti a partilhar mais um grande inédito de
Vasco Graça Moura, este para a voz de
Cristina Nóbrega
terça-feira, 2 de novembro de 2010
novembro
chegámos a novembro e ainda não trincaste as cerejas que deixei sobre a mesa.
talvez não voltes para prová-las.
tinha deixado a tua música favorita a tocar no velho gira-discos, mas com o passar do tempo, já deves ter outra música de que gostes mais.
a fruta vai acabar por apodrecer, e nós iremos com ela.
trincámos e não deitámos fora este caroço que ainda está entalado na nossa garganta.
podiamos morrer sufocados, talvez tudo o resto fosse mais suportável.
não consigo parar de pensar o porquê de estar a chover.
novembro é o tempo dos agasalhos e não das chuvas miudinhas.
até o tempo se alterou, juntamente com tudo o resto.
não fui buscar lenha para a lareira, já não é preciso madeira para nos aquecermos, basta o lume brando que temos debaixo dos nossos pés.
estamos queimados por dentro.
talvez não haja nada que nos possa salvar deste fogo lento que se apoderou do nosso corpo.
estamos a desaparecer, juntamente com a poeira de novembro.
por muito que isso que nos custe, é verdade, novembro chegou e leva-nos com as folhas, embala-nos para longe, para onde nunca fomos e de onde nunca poderemos voltar.
não chores neste mês.
já basta o tempo que teima em secar as lágrimas em nós.
muda essa roupa que tens agarrada ao corpo, já não é tempo para ela.
talvez ainda sintas o calor de outros tempos mas vais acabar por constipar-te e depois tudo o resto irá parecer-te insuportável.
desculpa, não consigo dizer nada conciso e concreto, apenas palavras começadas pela letra c, aparentemente.
tropeçámos numa pedra que não vimos.
onde está essa pedra? em que parte do caminho? onde a deixámos?
morremos no mesmo dia em que viemos ao mundo, disso eu tenho a certeza.
a partir do momento em que saímos do ventre materno já nos estávamos a preparar para novembro.
e é sempre assim, chega sempre antes do tempo dos sonhos e do bolo-rei.
como se fosse uma fatalidade.
novembro foi o mês do nosso sangue.
o mês em que nos demos ao tempo.
e o mês que o tempo não nos soube dar.
talvez não voltes para prová-las.
tinha deixado a tua música favorita a tocar no velho gira-discos, mas com o passar do tempo, já deves ter outra música de que gostes mais.
a fruta vai acabar por apodrecer, e nós iremos com ela.
trincámos e não deitámos fora este caroço que ainda está entalado na nossa garganta.
podiamos morrer sufocados, talvez tudo o resto fosse mais suportável.
não consigo parar de pensar o porquê de estar a chover.
novembro é o tempo dos agasalhos e não das chuvas miudinhas.
até o tempo se alterou, juntamente com tudo o resto.
não fui buscar lenha para a lareira, já não é preciso madeira para nos aquecermos, basta o lume brando que temos debaixo dos nossos pés.
estamos queimados por dentro.
talvez não haja nada que nos possa salvar deste fogo lento que se apoderou do nosso corpo.
estamos a desaparecer, juntamente com a poeira de novembro.
por muito que isso que nos custe, é verdade, novembro chegou e leva-nos com as folhas, embala-nos para longe, para onde nunca fomos e de onde nunca poderemos voltar.
não chores neste mês.
já basta o tempo que teima em secar as lágrimas em nós.
muda essa roupa que tens agarrada ao corpo, já não é tempo para ela.
talvez ainda sintas o calor de outros tempos mas vais acabar por constipar-te e depois tudo o resto irá parecer-te insuportável.
desculpa, não consigo dizer nada conciso e concreto, apenas palavras começadas pela letra c, aparentemente.
tropeçámos numa pedra que não vimos.
onde está essa pedra? em que parte do caminho? onde a deixámos?
morremos no mesmo dia em que viemos ao mundo, disso eu tenho a certeza.
a partir do momento em que saímos do ventre materno já nos estávamos a preparar para novembro.
e é sempre assim, chega sempre antes do tempo dos sonhos e do bolo-rei.
como se fosse uma fatalidade.
novembro foi o mês do nosso sangue.
o mês em que nos demos ao tempo.
e o mês que o tempo não nos soube dar.
Subscrever:
Mensagens (Atom)