quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Provavelmente Tristeza

e de súbito, o vento norte arrancou as estacas que ainda agarravam a casa ao chão.
no areal, um rapaz assistia a tudo, impávido, como se aquilo fora algo que ele já esperava há muito tempo.
o mar fazia uma estranha dança; como se as ondas fossem longas saias verdes a abrirem-se ao céu.
o sol recolhia-se por detrás de uma nuvem, que aos poucos, foi ficando cinzenta e mais triste (até que, lentamente, começou a chorar).
a chuva caía por sobre os ombros do rapaz, mas este não se movia, pois tudo aquilo, embora não fosse normal, não lhe era estranho. parecia que tinha vivido toda a sua vida à espera de ver aquele acontecimento; o momento em que o mar e a terra iriam unir-se e e fazer com que tudo à volta desaparecesse.
sentia-se sozinho, o rapaz. tinha vagas lembranças de alguns dias em que se tinha sentido acompanhado, mas agora apenas lhe restava o triste abandono de quem vê o fim da vida como uma coisa perto e não como algo longínquo.
a chuva não deixava que o rosto do rapaz se mostrasse perante a luz, o que faz com que não consigamos ver se ele chora ou não. provavelmente não.
será provavelmente alegria aquilo que sente?
com o fim da vida tudo o resto também acaba.
embora não tivesse mais alegrias, também não teria mais tristezas, e pesando tudo aquilo que viveu numa balança... enfim, talvez as tristezas levem um ligeiro avanço sobre tudo o resto.
ainda se viam tábuas de madeira, ao longe.
a sua velha casa, a sua casa de sempre, nada mais era agora do que restos podres de tábuas já comidas pelo fragor do mar.
começou a entoar, baixinho, uma canção há muito esquecida.
aos poucos vinham à sua lembrança os restos de um tempo que já não sentia como seu.
a memória é um sítio incomódo onde morar, pois nunca sabemos em que quarto dormir.
escolhemos com todo o cuidado a divisão da casa em que nos sentimos mais à vontade, mas depois, logo alguma coisa nos salta à lembrança.
talvez fosse melhor assim.
que o mar o levasse para longe, lá onde a memória não existe e apenas somos lembrança para aqueles que ficaram no lugar que já não habitamos.
todos andamos à procura de uma casa onde morar.

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