segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Crónica de uma Saudade (Jogo Viciado)

Foi-se a noite, a madrugada
A lua já se escondeu...

Choram dois corpos cansados por entre cortinas de fumo já desfeitas pela saudade.
Lá fora não corre uma aragem, parece que o tempo parou.
Enquanto os corpos se entregam ao choro da entrega, olham um para o outro como se estivesse a nascer ali um novo tempo.
Ninguém ouve as respirações ofegantes de dois amantes perdidos por entre os lençóis já lançados ao chão.
As mãos agarram-se e procuram um sítio onde pousar, como Midas à espera de ver uma pedra que possa transformar em ouro.
As bocas sabem a água, ao doce ribeiro que corre nas gargantas do corpo.
As formas dos corpos vão mudando consoante a força de cada um e de repente... o êxtase prolongado.
O tempo pára para recuperar o fôlego.
A lua volta a espreitar, apenas para ver se já pode dar o ar de sua graça.
Os olhares encontram-se mas não falam.
As palavras nunca chegam a sair das bocas, o silêncio grita por entre quatro paredes e uma porta entreaberta.
O olhar vago de um mostra que tem medo de alguma coisa... talvez do sol e de tudo aquilo que ele possa trazer.
Quando o sol nascer, aquela noite nunca terá existido, será apenas o fumo que envolve as cortinas.
A valsa dos amantes é sempre composta por acordes tristes e sufocados, langores de violinos já cansados de soltar notas.
As palavras não saem das bocas, mas dentro dos olhos de cada um existe um mundo de Vida e de Sorte.
Os corpos adormecem.
Na manhã seguinte, o jogo continua viciado.
Por muitos dados que se lancem, o resultado é sempre o mesmo.
No tabuleiro apenas uma carta sai: a da partida.
O tabuleiro obriga-nos sempre a regressar à casa da partida.
Mas... e se quisermos mudar de casa?
Os olhares encontram-se e existe um certo sufoco.
Existe um não saber o futuro, e contudo... saber perfeitamente aquilo que ele guarda.
O tempo não consegue ter manha suficiente para nos enganar.
A noite traz momentos que o dia não consegue suportar e isso destrói a valsa dos amantes.
Ao longe ouvem-se sonatas, como uma canção triste a acompanhar um enterro.
Foram a enterrar?
Levaram os seus corpos?
Ficaram à beira-praia?
A noite traz um grito consigo: "Vem! Aparece! Sabes onde estou! Foge para aqui!"
Mas nenhum se volta a esconder no lugar onde já foi feliz.
O dia trouxe as lágrimas da saudade.
As lágrimas de um tempo antigo.
O tempo não volta atrás e nós não voltamos a ser aquilo que fomos.
Lembram-se ambos de como eram... a ingenuidade volta ao de cima.
Ao longe já não se ouvem pianos mas sim música francesa... aquela velha cantora francesa (palavras para quê?).
Sinatra não é boa companhia para a saudade, apenas uma mulher sabe cantar a dor do tempo.
O tempo matou-os, destruiu tudo aquilo que existia mas...
... e contudo... ao longe... sim, ao longe... há sempre uma pequena
fogueira acesa... uma luz forte e que inebria... uma vontade de retroceder...
e de avançar.
O jogo continua viciado?
Os dados ainda dão os mesmos números?
Algum jogador parou de jogar?
Talvez seja tempo de arrumar o tabuleiro.

No retiro, inebriada,
A guitarra o fado e eu.

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