terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Venho Falar Dos Meus Medos

as crateras que se abrem no coração são buracos que não têm fim, tal qual uma ferida aberta que não sabe quando pode estancar o sangue que por si corre. o homem estava ferido por balas que já não pertenciam a ninguém, apenas ao seu corpo, e contudo ainda conseguia manter um sorriso no rosto, como se tivesse estado desde sempre à espera daquelas balas no seu corpo. teve a certeza de que viu a cara de deus por entre duas nuvens, tinha uns dentes brancos como nós nunca tivemos e um sorriso que não se consegue explicar por palavras, há algo de metafísico nos momentos que antecedem a morte de alguém, e também um certo olhar de emergência no rosto dos aflitos. não sei porque falei no rosto dos aflitos, e também não sei como é que este homem, ou qualquer outro, pode falar dos seus medos. talvez escondidos nas grutas da nossa vergonha, talvez nesse sítio se possa contar aquilo que aflige um coração. não há estórias de embalar nos países onde a morte passeia à rédea solta, não há sequer tempo para contar qualquer história. o tempo mata-nos e fatiga-nos, por vezes podemos sentir a coragem de o matar, mas logo nos acobardamos para nunca mais voltar sequer a mostrar a nossa cara perante os outros. escondemos o rosto por entre as mãos e choramos, choramos lágrimas de vida, e por vezes há restos de saudade por entre as lágrimas que nos caem, há estilhaços do que fomos e daquilo que ainda viremos a ser, somos tanto nos momentos em que nos sentimos tão pouco. não sei porque razão temos os nossos medos e nem sequer a razão porque este texto começa com a imagem de um homem baleado, talvez as balas sejam a simbologia da repulsa que sentimos por cada arma que ainda consegue disparar. as palavras ainda são uma arma, letal, acreditem. apontem as palavras, façam pontaria, por vezes elas matam mais depressa.

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