quinta-feira, 31 de março de 2011

Apanhava chuva com as mãos como quem colhe a terra que não é sua. Algumas gotas fugiam-lhe entre os dedos e ele ainda se ajoelhou a ver se conseguia salvar alguma gota mais rebelde, mas mal caíam no chão transformavam-se numa pequena poça, e essa já não lhe pertencia, era da terra (da sua terra). Esperava ver o sol aparecer de qualquer lado, mas a sua vista não avistava mais que nuvens, e todas elas juntas, como se tivessem combinado um piquenique para o qual ele não fora convidado. Gostaria de namorar com uma nuvem. Uma daquelas que anda sempre de um lado para o outro, e quanto mais nos aproximamos, mais longe ela está de nós. Um constante jogo entre o rato e o gato, uma metáfora para a vida, a sua vida. Trilhou caminhos que não eram seus e foi dar a ruas que não conhecia. Encontrou-se nos lugares mais inusitados e nunca conseguiu ver a sua imagem, por muito que a procurasse. Onde andaria a sua cara? O seu rosto? Perdido ou encontrado? Talvez diferente, e de tão diferente ele nem se conhecia. Perdeu-se no lugar onde nunca se encontrou e agora deambulava à procura daquilo que não fora. Não chorava porque isso seria demasiado óbvio e a situação não pedia tal sentimento, apenas um leve franzir da sobrancelha, apenas um leve toque nos seus olhos, prontos a entornarem água e a unirem-se com a chuva (mas sem nunca o fazerem).

segunda-feira, 28 de março de 2011

Falar do passado é escrever o futuro que se constrói nas nossas mãos, por dentro de nós. A recordação daquilo que flui nas margens do nosso tempo e que nunca mais desagua em local algum que não a nossa mente. A construção do ser humano enquanto memória colectiva daquilo que foi e daquilo que nunca será. A construção de um tempo que não é nosso mas de um todo, de um colectivo. O sentir que fazemos parte de uma sociedade que não tem mais para dar do que aquilo que já nos deu, e que, afinal, foi tão pouco. A construção do mito como arma momentânea, que ataca tudo aquilo que está à sua volta. A construção da utopia como aquilo que fomenta toda a fome do mundo, talvez o pensamento numa fonte feita de utopia, com a graça da utopia, o seu aroma. Falar do passado como aquilo que flui por entre o futuro. Como as margens do tempo.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Mãos Cheias de Nada

Trazias as mãos cheias de nada
E as minhas mostravam-se vazias
Como aquela amarga madrugada
Onde matámos as nossas agonias

Nascemos do sonho já desfeito
Das quimeras por inventar
Tal qual aquele nevoeiro
Que encobria o nosso olhar

E abertos os corpos à tempestade
Aberto o coração ao nosso passado
Renascemos hoje de uma saudade
Que tem na boca um gosto a fado.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Hoje Canto o Fado

Peço perdão à tristeza
E ponho sobre a mesa
O vinho duma velha amizade
Percorro ruas e avenidas
Em busca de velhas cantigas
Com gosto de saudade

Passo pela rua da amargura
Recordo o fado loucura
Que percorre as minhas veias
Entro logo no corrido
Para ganhar outro sentido
Limpo as minhas velhas teias

Afasto do meu coração
Vestígios de uma paixão
Que percorre o meu passado
Do futuro faço uma estrada
Mesmo que não dê em nada
Hoje eu vou cantar o fado.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

E passado um mês, voltei.
Ainda não sei o que vou escrever, o que me apetece dizer.
Sei que tinha de voltar a este espaço tão meu e arrumar este camarim por mais uns tempos.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Velhos do Restelo

Imaginemos que escrevia o mais belo texto deste ano, não só o meu melhor texto, mas um daqueles que se poderiam classificar como um dos grandes textos do ano. Claro que este é apenas um exercício de imaginação, nunca um texto desses me saíria das mãos e muito menos no final de um ano como este. Um ano de metas, de fins de percursos e início de outros. O final do ano é um tempo de balanços, um tempo de recordar aquilo que ficou para trás, e pior do que isso, aquilo que poderia ter ficado para trás e que nunca chegou a ser feito. As lágrimas nunca contam para estes balanços, esses momentos costumam-se ir diluindo na nossa memória, até já não os conseguirmos distinguir. Será isto verdadeiro? Alguém esquece as lágrimas que chrou? Durante este ano ou em qualquer outro? Mais facilmente lembramos as lágrimas que deitámos do que os risos que povoaram a nossa cara em alguns instantes. Obviamente que existem momentos inesquecíveis, que nos preencheram, que nos fizeram sentir vivos, e outros de uma angústia enorme, como se estivéssemos num beco que, embora sabendo que não tem saída, continuamos a querer seguir, porque às vezes o nosso único caminho é contra o muro. Quantas vezes vamos contra o muro e batemos com a cabeça nesse mesmo muro? E o que dizer do nosso próprio muro? Das nossas próprias barreiras? Daquilo que temos na nossa cabeça e que teima em não sair, as ideias pré-concebidas? Gostávamos de poder ir contra isso tudo, construir novas ideias, principalmente acerca daquilo que nós somos mas... falta sempre um pouco de coragem, ambição. Deixámos de ser ambiciosos há muito tempo, encostámo-nos ao fado que é nosso e nada mais. Somos todos uns velhos do Restelo à procura de gaivotas brancas, mas até aquelas que voam por sobre o Tejo, vêm repletas de petróleo nas suas asas. Vivemos um tempo manchado, onde o branco não consegue sobressair e as cores mais escuras tomam conta do espaço, do nosso próprio espaço. Existe em nós um medo de existir, de sermos gente. Perdemo-nos na nossa memória colectiva, por entre aquilo que fomos e o que gostaríamos de ter sido. Perdemos a utopia que nunca concretizá-mos, e pior: nunca a chegaremos a concretizar porque já ninguém se lembra dela. Vivemos um tempo em que os horizontes deixaram de ser longínquos, pura e simplesmente já não existem horizontes. Vivemos o hoje e o agora, apenas isso, isso é o que importa. E contudo... o ontem. O ontem assalta-nos constantemente, aquilo que fizemos ontem (nem volto a falar do que não fizemos), mas aqueles momentos que nos marcaram a pele, o sangue, as veias do corpo. O que fazer para recuperar os momentos perdidos? O que fomos? O que é preciso oferecer para voltar atrás? As memórias vivem em nós como seres vivos que teimam em reproduzir-se, e nós não as matamos, deixamos que elas cresçam, tal como nós também crescemos.
Queria ter escrito um bonito texto no final de mais um ano, um texto positivo, que falasse de um amanhã diferente, mas a única diferença será o fogo de artifício que irá romper pelos nossos céus. Enquanto não rebentarem foguetes em nós, tudo isto vai continuar igual ao que é. Façamos a festa por dentro de nós, comecemos de novo, amanhã... já amanhã.

É para amanhã
bem podias fazer hoje...

domingo, 19 de dezembro de 2010

História de Natal (I)

Em poucas linhas, deixo aqui retratada a história mais triste deste Natal.

Uma pobre menina chegou perto de seu pai.
Com olhos de carneiro mal morto disse-lhe:
- Meu pai, meu tudo. Aqui tens um sonho que te entrego.

O pai, com um total desprendimento perante o presente de sua filha...
... comeu o sonho.