sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Saltos Altos

Estava hesitante na direcção a seguir. As opções também não eram muitas, há bastante tempo que apenas dois caminhos se desenhavam á sua frente. Não sabia se a sua opção seria entrar no comboio ou seguir a direito e ver onde a estação poderia acabar (mas ela sabia onde a estação acabava, afinal de contas tinha-a percorrido uma vida quase inteira, e nunca tinha reparado em nada de diferente). O tempo nem sempre muda aquilo que está à nossa volta. Às vezes, somos apenas nós que mudamos, que vamos envelhecendo, e tudo o resto até vai ficando com um aspecto mais jovial e perfeito. Sim, há coisas que a nossos olhos parecem perfeitas. Provavelmente serão aberrações para outros olhos menos circunspectos que os nossos. Acabou por entrar no comboio, afinal era a única coisa plausível a fazer. Entrou e sentou-se num dos primeiros bancos que lhe apareceram, sem reparar sequer em quem estava ao seu lado ou à sua frente. Sentou-se e descalçou os seus velhos sapatos de salto alto. Não sabia por que insistia em andar com aqueles sapatos mas... bem, talvez soubesse porque os usava. Não era pelos centímetros a mais nem pelas dores nas costas que ganhava sempre como recompensa. A sua mãe usava sempre saltos altos, e para ela, aquilo era um símbolo da mulher. Pelo menos um símbolo da única mulher que alguma vez admirou. Não conseguiu conter um pequeno suspiro que lhe saiu da boca ao retirar os sapatos. Tinha calos e tinha-os apertados, até podemos falar em sofrimento se nos apetecer, embora seja um sofrimento consentido; enfim...
Olhou pela janela e não reconheceu a paisagem que se adivinhava à sua volta, isto também é normal pois nunca tinha ido naquele comboio e não sabia tão pouco onde ele iria parar. Apenas disse, na estação, que queria um bilhete para bem longe, e aquele pobre homem atrás do balcão vendeu-lhe mesmo um bilhete para um sítio qualquer longínquo, ou talvez não fosse assim tão longínquo mas ela não reconhecia sequer o nome que estava impresso naquele pedaço de cartão, por isso servia perfeitamente os seus propósitos. Reparou no homem que estava à sua frente. Preferia não o ter feito, agora teria de dizer alguma coisa para não parecer uma maníaca qualquer que se mete com o primeiro que lhe aparece à frente. Mas não abriu a boca, queria lá saber o que pensavam dela, há muito que isso a deixara de importunar. Bem, talvez não há muito tempo mas ao suficiente, umas horas já seriam o suficiente. Decidiu tomar um novo rumo, desaparecer da sua velha vida e tentar encontrar alguma que lhe ajeitasse melhor no corpo. Será que vendem vidas? Ou que andam vidas perdidas? Nunca o saberia pois mesmo que encontrasse alguma, certamente que não lhe iria falar com receio do que pudesse ouvir. Conclusão: esta melhor encontra-se num comboio com um bilhete de ida para nenhures. Mas também isso não é importante, se ela própria não se conhece para quê ir para um sítio que lhe fosse familiar? Sim, nenhures foi a melhor opção, é sempre.

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