domingo, 20 de junho de 2010

Retrato do Poeta Quando Jovem

Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brandas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada

Há um nascer do sol no sítio errado
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.

José Saramago

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